quinta-feira, 14 de maio de 2015

SAUL BELLOW 1

 
 
 
 
 
 

AGARRAR A LUZ

 

Quem se inicia num conhecimento mais sistemático da literatura americana deste século fica sempre impressionado com o peso que nela tem os autores de origem judaica. Se nos delimitarmos a uma simples constatação na área da ficção da segunda metade do séc. XX, conseguimos, sem muita dificuldade, elaborar uma lista muito diversificada com nomes como Paul Auster, Saul Bellow, E. L. Doctorow, Stanley Elkin, Bruce Jay Friedman, Joseph Heller, Bernard Malamud, Norman Mailer, Cynthia Ozick, Grace Paley, Mordecai Richler, Henry e Philip Roth, J. D. Salinger, Susan Sontag, Leon Uris e Herman Wouk (deixando de fora autores, como I. Bashevis Singer, que, sendo também americanos, escreveram fundamentalmente em yiddish). Sobre esta presença da tradição cultural judaica nas letras americanas, já muito se escreveu e inúmeras teorias foram arquitectadas. Mas, abandonando as razões deste fenómeno, talvez se possa, no entanto, fazer uma constatação que muitas vezes não é ponderada ao analisar-se a América dos dias de hoje: é que, em paralelo à matriz puritana, a cultura americana assenta as suas raízes na tradição judaica e que a presente imagem da chamada “América branca” deve muito dos seus contornos ao constante ascendente que figuras, com uma formação cultural base de origem judaica, têm na vida cultural, social e política americana.

 
Uma das figuras mais proeminentes desta comunidade é o escritor Saul Bellow. Este autor, filho de pais russos, hoje com oitenta e cinco anos, que se casou cinco vezes, dos quais teve quatro filhos (a última filha tem pouco mais de um ano...), é decerto o escritor vivo americano mais consagrado, tanto no seu país como internacionalmente. Sem ter a exposição pública de um Gore Vidal, por exemplo, Saul Bellow, a par de uma respeitável carreira académica, tem sido um dos “tenores” mais empenhados na vida cultural americana, assumindo posições que, tendo uma postura pró-conservadora (ainda hoje são recordadas as suas posições, numa afrontosa polémica com Norman Mailer, contra a “revolução sexual” dos anos sessenta ou a atitude ambígua que assumiu em relação à Guerra do Vietname), sempre incomodaram a Gregos e a Troianos (recordo, por exemplo, o seu apoio público em favor das minorias étnicas ou contra a proliferação nuclear). Além disso, não só com a sua obra de romancista (deve recordar-se que Saul Bellow ganhou três vezes, caso inédito, o National Book Award, com As Aventuras de Augie March, Herzog e Mr. Sammler’s Planet, uma vez o Prémio Pulitzer, com Humboldt’s Gift, e, em 1976, o Prémio Nobel), mas também com o seu trabalho crítico, foi um dos autores que mais “marcas” deixou na produção literária americana das últimas três ou quatro décadas (hoje, são inúmeros os autores de língua inglesa que reconhecem o legado de Bellow na sua própria obra).

 
Nascido no Canadá, ainda adolescente veio com a família para Chicago (onde Saul Bellow, exceptuando breves períodos, sempre viveu) e aí se matriculou na Universidade, à qual, mais tarde, ficou ligado como professor. Depois de ter servido como marinheiro na II Guerra Mundial, Saul Bellow iniciou a sua carreira literária, publicando, em 1947, o seu primeiro romance, The Dangling Man. Mas é com o seu terceiro romance, As Aventuras de Augie March, já liberto das influências de Ernest Hemingway, que, em 1953, obteve o reconhecimento da crítica e do público. Desencadeia-se então a fase mais poderosa da sua produção literária, publicando, de seguida, a magnífica novela Agarra o Dia, Herderson, o Rei da Chuva, Herzog, Mr. Sammler’s Planet e, já em 1975, Humboldt’s Gift. A partir dessa data, mantendo, no entanto, uma inquestionável qualidade literária, a obra de Saul Bellow deixa, de certo modo, de manter o mesmo fulgor criativo (é desta fase que pertencem obras como Dean’s December, e as novelas A Theft, A Organização Bellarosa e a que agora foi publicada nosso país, intitulada A Autêntica). Já no corrente ano, Saul Bellow publicou um romance, Ravelstein (segundo anúncia o editor português, será em breve publicado também no nosso país), que gerou uma enorme polémica, por colocar a nu a vida privada do seu colega e amigo Allan Bloom, prestigiado académico e autor de The Closing of the American Mind - uma obra-farol do conservadorismo americano - que, parece, morreu de SIDA em 1992.

 
Não é fácil caracterizar em termos globais a obra de Saul Bellow. Porém, é habitual evidenciar o brilhantismo do seu estilo clássico, a profunda erudição que se infiltra na narrativa de forma intersticial, a tessitura assente numa reflexão monologal das suas personagens principais, a forma como as tramas e as personagens secundárias são apresentadas por “pinceladas impressionistas” e, por fim, a invulgar lucidez da suas análises que parecem não se deter perante nenhum dos mitos ou valores socialmente enraízados. De facto, todas as suas personagens, mesmo mergulhadas no maior dos turbilhões emocionais ou sofrendo traumáticos desajustamentos sociais, procuram, de uma forma quase épica, racionalizar o que lhes sucede, numa convicção desesperada de que ainda é possível tudo compreender e que a compreensão dos problemas, como por magia, tudo resolverá. É esta crença na racionalidade que faz de Saul Bellow um dos últimos grandes “discípulos” da “filosofia das Luzes” (o século XVIII é, por excelência, o seu período de referência civilizacional) num mundo onde a falência da democracia e da ciência, para, por si só, resolverem os grandes problemas da humanidade, se tornou inquestionável.

 
A novela (um género que Saul Bellow tem explorado nos últimos anos) A Autêntica é, antes do mais, uma original história de amor, passada, mais uma vez, na “sua” Chicago. Mas, deixando de lado a trama que, como nas restantes obras deste autor, não é a componente mais conseguida, é importante realçar que a sua personagem principal (um sexagenário que, depois de ter obtido algum capital com negócios um pouco obscuros, efectuados durante a sua estadia na China e na Birmânia, resolveu regressar à cidade “onde estavam as suas raízes afectivas” e aí instalar uma empresa de importações) está profundamente convicto de que as pessoas vivem como colunas de carne envoltas em nebulosas de conceitos e palavras, absorvidos do exterior, e que é a fluidez destes que origina a incapacidade de compreender a realidade. É este pessimismo que o levou a uma postura anti-romântica e céptica e que lhe motivou a atitude de nada fazer para se aproximar da sua antiga paixão dos tempos de liceu e por quem manteve, ao longo dos anos, um amor inquebrável. Quando volta a contactá-la e, numa cena um pouco bizarra, mas poderosa de sentido, a pede em casamento, percebe então que a “sua afinidade autêntica” ultrapassa a mutabilidade temporal do conceito de “amor” e que era essa emoção não-descrita, latejando-lhe na carne, mas exteriormente muda, que devia ter-lhe orientado a vida. E que essa emoção é eterna, ou, por outras palavras, está sempre presente, uma vez que nem o envelhecimento do corpo nem o aviltamento das situações (é necessário salientar que, tanto a personagem principal como a sua amada, passaram por diversos casamentos e que, no caso desta, houve um divórcio litigioso, fundamentado numa revelação escandalosa de “manifestações íntimas” do acto de adultério) consegue modificar. Mais uma vez, o que sai reforçado nesta novela, é a importância que o autor dá à experiência pessoal como instrumento de desbravamento e reformulação conceptual, retomando, por conseguinte, a velha tradição realista do romance americano.

(…)

 
Publicado no Público em 2000.

 
Título: A Autêntica
Autor: Saul Bellow
Tradução: Rui Zink
Editor: Teorema
Ano: 2000
137 págs., 12,90 €
  
 
 



terça-feira, 12 de maio de 2015

LUIS GOYTISOLO

 
 
 
 

A LEITURA DE ROMANCE(S)

 

Durante a década de cinquenta, prosperou, em Espanha, a geração literária que ergueu o estandarte do realismo social. Por razões históricas bem conhecidas, esse aparecimento, em comparação com o resto da Europa, foi já bastante tardio. Daí que esta geração tenha sido protagonista de um percurso, de certo modo, original: um número significativo de autores – que empolgadamente contribuiu para impôr no país vizinho os pressupostos de que a criação artística deveria ser um dos instrumentos de transformação radical da sociedade e de que os princípios estéticos se subordinariam aos políticos -, vem, pouco tempo depois, de uma forma mais ou menos acentuada, a abandoná-los e a afirmar, nem que seja pela sua prática literária, uma maior autonomia do produto artístico em relação a ostensivos compromissos ideológicos, a necessidade de uma maior experiência formal e a compreensão do realismo de uma forma mais abrangente e complexa do que o simples testemunho.

 
Foi também este o percurso da irmandade triangular dos Goytisolo que, de modo bem intenso, vem iluminando a literatura espanhola deste meio século. Enquanto Juan Goytisolo tem posto, com uma truculenta genialidade, em questão os valores míticos da hispanidade, e José Agustin Goytisolo tem satirizado de uma forma implacável, na sua poesia, os comportamentos sociais e políticos dos seus concidadãos, o benjamim Luis Goytisolo, depois de, tal como os seus irmãos, ter feito uma inicial incursão no realismo social e ter dedicado cerca de dezassete anos a redigir a tetralogia Antagonía (complexa estrutura formal, com diversos níveis estilísticos e técnicas narrativas, onde serpenteia uma exaustiva reflexão sobre a ficção), vem, por último, elaborando um conjunto de novelas e romances de difícil caracterização, mas que, para a unanimidade dos críticos, está a anos-luz das suas primeiras narrativas.

 
É desta recente fase da obra de Luis Goytisolo que foi agora traduzido (e reflectindo um inusitado, mas de todo justificado, interesse do nosso movimento editorial pela actual literatura espanhola) o romance O Paradoxo da Ave Migratória. Saliente-se que este romance, de fluente e, na aparência, fácil leitura, tem uma significação difícil e até mesmo obscura. A trama resume-se à descrição, fragmentada, das cumplicidades de um artista plástico (que se encontra em fase de concepção, início de produção e de rodagem da sua primeira experiência cinematográfica) com a sua mulher (que, por sua vez, vai redigindo um diário íntimo, onde anota algumas reflexões sobre as relações do casal e sobre o enredo do filme que o marido vai realizar) e outros parentes, das viagens que realiza, das conferências de imprensa que dá, etc.

 
Mas essa obscuridade, aceitando as regras do jogo que estrutura O Paradoxo da Ave Migratória, não é, como veremos, uma experiência absurdamente gratuita, pois que todo o romance é construído a procurar manter uma tónica de “platitude”: esta ideia é transmitida não só porque se eliminou qualquer situação de clímax, mas também porque é impossível estabelecer qualquer nexo temporal entre as situações narradas, porque existem constantes mudanças de narrador, e ainda porque as personagens são introduzidas na narrativa sem se manifestar com nitidez o papel que vão desempenhar na economia dramática. No fundo, é como se Luis Goytisolo se esforçasse para que o romance se feche em si mesmo, sem nenhuma rugosidade, transformando-o numa narrativa onde, sem abandonar o registo realista, qualquer trabalho de mimésis se revela um permanente logro.

 
Encontra-se a explicitação destas estratégias narrativas no enigmático final do romance, quando a personagem principal fica a saber, pelo operador de câmara, que o seu filme não pretende mais do que “mostrar” as personagens do diário íntimo da mulher e que este também é apenas a ”referência real” de um romance que se chama precisamente O Paradoxo da Ave Migratória. Por outro lado, é nesse final que o leitor fica a saber que a mulher do futuro realizador morreu muito mais cedo do que se subentende do próprio enredo, como se Luis Goytisolo considerasse que tem o direito de fazer ou desfazer o destino das suas personagens, depois de elas terem cumprido o sentido para que foram criadas.

 
Ora, o sentido da trama romanesca de O Paradoxo da Ave Migratória relaciona-se com a impossibilidade de conhecer a verdadeira motivação dos actos do Outro, e de estes só permitirem uma legibilidade que, de uma forma inevitável, mesmo que muito frutuosa, será distante da referida motivação; por conseguinte, de que a existência real do Outro está na constelação de leituras que dele se façam, esfumando-se este, mal elas terminem.

 
Mas o maior fascínio deste romance esta na própria construção romanesca, uma vez que ela é uma ardilosa demonstração do sentido da sua trama, obrigando o leitor a um árduo trabalho de leitura e a convencer-se de que esse trabalho, um entre tantos outros, é a única coisa que subsiste de um romance chamado O Paradoxo da Ave Migratória e que aquilo que motivou a sua redacção lhe escapará em definitivo.

 

Publicado no Expresso em 1988.

 

Título: O Paradoxo da Ave Migratória
Autor: Luís Goytisolo
Tradutor: António José Massano
Editor: Teorema
Ano: 1988
149 págs., 5,04 €




segunda-feira, 11 de maio de 2015

PAT BARKER

 
 
 
 
 
ANTES DO BEM E DO MAL

 

Basta folhear qualquer história da literatura para perceber que, ao longo dos tempos, foi bem superior a participação feminina nesta forma de criação do que em qualquer outra manifestação artística. Não admira, por isso, que, desde a formação dos modelos narrativos que evoluíram para o romance clássico, tenham aparecido autoras com um papel importante na afirmação e desenvolvimento deste género literário. Porém, é também inquestionável que esta participação na criação narrativa sempre foi minoritária e que, como em muitas outras áreas da vida social e cultural, é a partir da II Guerra Mundial que a mulher/escritora começa a ter, pelo menos no contexto do mundo ocidental, uma intervenção no fenómeno literário, em termos quantitativos, muito mais próxima da que tradicionalmente era assumida pelo homem.

 
Este facto não é – e é este o aspecto que pretendo evidenciar –, de modo algum, generalizável às letras britânicas. De forma invulgar, na Grã-Bretanha, desde os finais do séc. XIX, que a mulher tem um papel preponderante no mundo literário e é assombrosamente notável o plantel de mulheres escritoras que se evidenciaram pelo seu poder criativo ao longo das gerações do último século. É tão fácil esta constatação que deixo ao leitor um pequeno exercício literário: compare o número de autoras britânicas que conhece com as pertencentes a qualquer outro país...

 
Um dos nomes, que nos dias de hoje se veio juntar a este plantel, é o de Pat Barker, a autora de quem foi agora editado no nosso país o seu penúltimo romance, intitulado Barreira Invisível. Esta romancista começou a publicar no início da década de oitenta e logo conseguiu, com o seu primeiro livro (Union Street), ser reconhecida como um dos vinte melhores jovens narradores ingleses pela prestigiada revista “Granta”. Mas é na década seguinte, após ter publicado mais três romances, com a edição da trilogia dedicada à I Guerra Mundial, habitualmente nomeada pelo título da primeira obra (Regeneration), que Pat Barker viu reconhecida as suas qualidades de narradora, ao vencer, com o segundo volume (The Eye in the Door), o “Guardian Fiction Prize” e, com o terceiro (The Ghost Road), o Booker Prize. Hoje, depois ter publicado uma dezena de romances, Pat Barker é uma autora, de um modo unanime, respeitada pela crítica e pelo público, construíndo, de uma forma recatada e sem grandes fugachos mediáticos, uma das obras narrativas mais consistentes das actuais letras britânicas.

 
Um aspecto, que, de imediato impressionará o leitor, é o classicismo do projecto literário de Pat Barker: os seus romances parecem não querer fugir aos modelos narrativos oitocentistas e aos padrões da mimésis e, por conseguinte, o seu projecto literário procura manter-se nos parâmetros do realismo. De facto, tudo isto é verdade: mas é indubitável que, mesmo seguindo essa sólida (e, na aparência, já “gasta”) tradição, Pat Barker consegue afrontar de uma forma inovadora a opacidade da realidade, tentando – mais uma vez – esgarçar o manto diáfano (como disse o nosso Eça) com que se obstina em ocultar. No fundo, a autora apenas procura ilustrar, com os seus romances, que o paradigma conceptual mudou nas últimas décadas e que, por conseguinte, a própria noção de realidade se transformou noutra coisa ainda não apreendida literariamente. Para atingir esse objectivo, é relevante como Pat Barker despoja o seu olhar, sobre a problemática que analisa, de qualquer juízo ético, expondo as suas personagens na medula das situações. Esta atitude narrativa motivou que certos critícos ingleses assinalassem que alguns dos seus romances (em particular, os da trilogia acima referida), em alguns dos seus detalhes, chegavam a tornar-se incómodos pela crueza das descrições ou dos comportamentos éticos das personagens.

 
Neste sentido, Barreira Invisível é crucial para compreender os parâmetros literários que balizam a obra de Pat Barker. Toda a trama se desenrola em redor de um psicoterapeuta (que vive uma situação de desagregação conjugal e que, ao mesmo tempo, prepara uma tese académica sobre crianças assassinas) que salva, ao passear à beira-mar, “in extremis”, um suicida de se matar. Esse suicida, por um aparente acaso, tinha sido, alguns anos antes, uma criança que fora acusada e julgada por assassínio de uma velhota, em que o testemunho pericial do psicoterapeuta foi crucial para a sua condenação, ao reconhecer que o arguido tinha já correctamente formadas as noções de bem e de mal. É em consequência desta situação que a personagem principal vai iniciar uma nova experiência terapêutica, tentando perceber o que motivou aquele jovem, enquanto ainda criança, a efectuar, possivelmente, um crime tão brutal e gratuito.

 
Como se pode perceber por este pequeno resumo da trama, Barreira Invisível permite explanar as técnicas narrativas da autora em circunstâncias e situações que – por um acaso com prováveis explicações - têm estado, e por motivos lamentáveis, na ordem do dia: criminalidade infantil, abuso sexual de crianças, miséria material e intelectual, desagregação afectiva, estirilidade, desmotivação existêncial e solidão. Todas estas situações são expostas na sua crueza, sem juízos implícitos ou explícitos, procurando apenas constatar como elas integram a “matéria humana”. Em paralelo, o romance debruça-se sobre as formas como a sociedade envolve e aceita as manifestações do Mal que se geram no seu seio e, por outro lado, como a comunicação social, pelos excessos do sensacionalismo, origina fenómenos de exlusão social. Por fim, Barreira Invisível tenta também compreender como se vão constituíndo as noções de bem e do mal, mas principalmente como estas noções interagem e se condicionam com diversos circunstancialismos, inclusive os relacionados com a voracidade caracterial que os modelos sociais competitivos motivam nos indivíduos.  

 
Sem sombra de dúvida, Barreira Invisível é um bom exemplo da solidez narrativa desta autora e um excelente contributo para a revitalização de uma editora e de uma colecção que, há já várias décadas, permanecia numa espécie de limbo existencial.

 

Publicado no Público em 2003. 

                                                                                      

 
Título: Barreira Invisível
Autor: Pat Barker
Tradução: Eduarda Melo Cabrita
Revisão literária: Maria Luísa Falcão
Editor: Ulisseia
Ano: 2003
261 págs.,  14,99 €

 

 



sábado, 2 de maio de 2015

MANUEL VÁZQUEZ MONTÁLBAN


 
 
 

A REABILITAÇÃO DE UM LUGAR HISTÓRICO

 

A obra de Manuel Vázquez Montálban, entre outras vertentes que tem desenvolvido, representa, no contexto da literatura espanhola, a corrente ficcionista contemporânea que procura renovar o género do romance “negro”, introduzindo, na sua estrutura tradicional, novas técnicas estilísticas e narrativas.
 
A publicação em português, através de uma excelente tradução de Manuel de Seabra, de um dos últimos romances deste autor, Assassinato no Comité Central, permite constatar que alguns dos elementos narrativos, pelos quais Manuel Vázquez Montálban procura introduzir esse movimento de renovação na malha tipológica do romance “negro” clássico, resultam da integração de características e técnicas estilísticas que são comuns a ficções de outros géneros. No caso presente, torna-se bem evidente que se procura integrar, na estrutura do romance “negro”, o género, muito explorado a partir dos anos setenta com significativos resultados comerciais, da “ficção política”.
 
O aparecimento deste livro no nosso país, quando se desconhece, em termos de edição portuguesa, quase tudo o que de importante a ficção espanhola contemporânea produziu, realça, enquadrado com outros factos, um fenómeno sociocultural de certo significado.
 
Constata-se, de facto, na edição portuguesa, um renascer de interesse, como género revalorizado culturalmente, pelo romance policial. Repare-se, por exemplo, nas novas colecções de editoras tão prestigiadas como "A Regra do Jogo" ou a "Publicações Dom Quixote", na reedição de velhos títulos, encarados agora de outro modo, da conhecida Col. Vampiro de "Os Livros do Brasil", ou ainda na edição de obras completas, nesta última editora, dos autores clássicos do género.
 
É de crer que tal revalorização tem, por parte das editoras, não só razões culturais, mas também comerciais e financeiras, já que parece evidente que a sua aposta é explorar o mercado amplo e seguro deste tipo de literatura para assim compensar a debilidade comercial de outro tipo de edições.
 
No entanto, semelhante fenómeno seria de menor significado se não fosse acompanhado, como possível resposta a este interesse das editoras, duma tentativa de (re)aparecimento de um romance policial português. De facto, como é do conhecimento geral, até hoje, os autores portugueses, para comercializarem o seu "produto", eram “obrigados” a “americanizarem”, através de um pseudónimo, o seu próprio nome, assim como a "realidade romanesca" que tratavam. Este novo interesse parece, por conseguinte, dar garantias para que se abandone estes procedimentos, permitindo que os nossos escritores deixem de ocultar a sua nacionalidade e possam conceber tramas contextualizadas na nossa realidade.
 
A criação ficcionista, desde sempre, apelou, na generalidade, a uma relação com a “vida” - essa noção difusa, mas que se reconhece como concreta. Principalmente no período clássico do romance, essa relação foi assumida como “natural”: a ficção era a vida em forma de narração. E assim as personagens e as situações eram imaginadas… mas deviam ser assumidas como se fossem reais; os lugares eram inventados, mas deviam ter a vida dos que existem.
 
Todavia, para que essa relação fosse encarada pelo leitor como "natural", era necessário que fosse “iludida” a existência não tanto de um narrador (que muitas vezes é, de modo expresso, entendido como o olhar fundamental para introduzir o leitor na “vida” das suas personagens), mas da própria narração. A narrativa clássica, se mantem alguma constante, é a de procurar atenuar-se, diluir-se, tornar-se fluída.
 
Semelhante estratégia da narrativa clássica é resultante da necessidade de satisfazer plenamente uma das características de toda a ficção: a de integrar no real quotidiano do leitor, “iludindo-o”, uma outra “realidade” que lhe satisfaça desejos (isto é, prazeres, interesses) conjunturais de conhecimento e reflexão.
 
Um dos elementos, que caracteriza a literatura de género, está na forma como organiza de um modo estratégico essa capacidade “ilusória” da ficção.
 
O romance policial tem sempre uma energia que o conduz a um desfecho: um mistério de tipo criminal que é necessário resolver e neutralizar, concluindo-se a narrativa com o esgotamento dessa energia.
 
Essa energia é (di)gerida habitualmente por um detective que arrasta o leitor, como um animal pela trela, de situação em situação, por percursos (pistas) falsos e verdadeiros, contactando com personagens e com objectos como personagens. E o detective segue esse caminho, não tanto por qualquer mecanismo perverso incutido pelo autor à sua personagem, e por esta ao leitor, mas porque vai revelando-se, mesmo que conhecedor de técnicas especiais para a resolução de situações congéneres, demasiado, demasiado humano.
 
Um romance policial não é, portanto, constituído por um único percurso. Pelo contrário, é constituído por percursos falsos que ‘iludem’ e enevoam o percurso principal. É essa malha ilusória que o constitui.
 
Ora, grande parte do prazer, que o leitor retira do romance policial, está na própria sujeição a que a sua trama ilusória o obriga, está em sentir-se de facto “atrelado” ao detective e aos percursos a que, com ele, é levado: dessa sujeição advém grande parte do prazer do “suspense”. E nos casos em que o leitor consegue libertar-se dessa trama, e alcança com facilidade o percurso principal, retira disso apenas um sentimento fruste e logo classifica o romance de “mal construído”.
 
A “ficção política”, pelo contrário, não exige um processo de transposição tão completo do leitor para a ‘realidade romanesca’ como o romance policial. A “ficção política” suscita um compromisso claro ao leitor: o conhecimento de uma realidade que será partilhada pelo próprio romance e que servirá de ponto de partida para a recriação de uma “realidade romanesca” que serve de hipótese de alternativa plausível da realidade partilhada.
 
A realidade que o leitor conhece passa a ser um constante referente que deve “prender” sempre a própria construção romanesca. Tem, por isso, de elaborar-se, de forma coerente, toda a trama romanesca, de modo a que as pessoas reais e as conjunturas históricas sejam bem reconhecíveis nas personagens e nas situações romanescas.
 
O livro de Manuel Vázquez Montálban, Assassinato no Comité Central, procura, como se verá, conciliar estas duas estratégias romanescas díspares.
 
O romance prende de imediato o leitor pela sua “inteligência”. Isto é, entusiasma-o por um “know-how” de uma escrita que encadeia, sem grandes “tournures”, situações e personagens, cativa-o pela mestria extrema na construção dos diálogos, diverte-o com o humor cosmopolita com que são descritos os comportamentos da Espanha pós-franquista, enfim, alicia-o com uma técnica e uma concisão estilística que impõem um ritmo narrativo que é conseguido até ao final.
 
Mesmo da sombra tutelar do "romance negro” americano, donde “nasce”, em termos estilísticos, este livro, se recolhe inegável prazer: a construção frásica é ritmada com o desenvolvimento narrativo e a formação de personagens, que são concebidas não pela sua "riqueza de interior" ou pelos seus "meandros psicológicos", mas pela sua atitude comportamental e pelo seu percurso. Daí a importância concedida a certos elementos, que poderiam ser considerados como “desperdício” romanesco, tais como os tiques e os hábitos: note-se o relevo dado, por exemplo, para a caracterização da personagem principal, o detective Carvalho, a “hobbies” como a gastronomia e a culinária.
 
Contudo, pensamos que a inteligência deste romance mostra-se, em particular, no modo conseguido como resolve os objectivos estratégicos que a si próprio impõe e que são, de certa forma, “restritos” (isto é, bem situáveis em termos históricos): o primeiro, já referido, inerente à transformação das estruturas narrativas, em que se procura imbricar as tramas “ilusórias” que estruturam os géneros literários, neste caso, os do romance policial (ou melhor, o do subgénero que é o “romance negro”) e da “ficção política”, dissolvendo-os; o segundo, político, em que se tenta revelar o que é um Partido Comunista “de tipo ocidental”, não tanto pela sua dinâmica como colectivo, mas antes através da análise da sua composição social, destruindo assim uma imagem muito maniqueísta que, eventualmente, o público tradicional do género policial terá do militante deste tipo de organizações.
 
Manuel Vázquez Montálban constrói, de facto, um romance com todas as personagens e situações “negras” habituais: o detective, ser solitário, trabalhando à margem do instituído; um assassínio (núcleo do tal mistério que move toda a engrenagem romanesca) realizado em “huis-clos”, quase perfeito, calculado; a maléfica sedutora que, ao serviço das grandes organizações internacionais, põe em perigo o detective; os policias mais ou menos corruptos, etc.
 
Mas um pequeno movimento é logo, no respeitante ao "romance negro” tradicional, produzido: as analogias, aos clássicos deste género, ao ambiente americano onde nasceu, aparecem de forma sistemática, assumindo-se essa “realidade romanesca” já não só como referência, mas como “influência”, dando-lhe assim um estatuto cultural que distancia este romance dessa produção narrativa.
 
Este movimento torna-se ainda mais acentuado, já que Assassinato no Comité Central se desenvolve numa geografia estranha à de origem do "romance negro” tradicional: todo ele se processa nas ruas de Madrid ou de Barcelona, entre um povo espanhol bem definido em termos culturais, e muito longe, portanto, da característica geografia urbana (e social) americana. Por isso, o leitor sente-se confrontado com uma situação atípica ao "romance negro” tradicional e terá tendência a encarar as habituais cenas de violência como "importadas".
 
A eliminação do carácter “importado” das referidas cenas e a necessidade de fazer aceitar pelo leitor a “real” eventualidade das situações descritas são conseguidas com o entrecruzamento da “ficção política”. O assassinato do secretário-geral do PCE, num clima fortemente emocional da sociedade espanhola, motivado pela debilidade da sua recente democracia e pela existência de grandes forças sociais antagónicas, constrói uma situação plausível para o comum leitor, que torna aceitável a trama romanesca.
 
É nesse sentido que funcionam também as descrições muito pormenorizadas da paisagem madrilena e barcelonesa. Mas esse quadro é ainda reforçado com a introdução de instituições, políticas ou não, bem conhecidas, assim como a referência a pessoas reais que “compõem” o meio cultural e político espanhol (o caso de Rafael Alberti, de Tierno Galvan, do próprio autor, etc.), ou a inclusão de personagens que são, com um nome aproximado, um claro decalque de pessoas reconhecíveis com alguma facilidade no meio acima referido (o caso de personagens como Fernando Garrido, Martialay, Salvatter, Sixto Cerdan, etc.).
 
Estas últimas personagens têm, no entanto, uma outra função: para além de referências mais ou menos explícitas ao mundo cultural e político espanhol, facilitando assim a integração duma trama “ilusória” que, em princípio, lhe era alheia, servem também para introduzir novos tipos de personagens nessa mesma trama, modernizando-a e adaptando-a a uma conjuntura que, sem elas, seria de difícil compreensão.
 
Se exceptuarmos algumas tentativas de entrecruzamento da “fala” do narrador com as das personagens, certa barroquização descritiva que se realça nos comentários transversais, de grande intensidade irónica, à sociedade espanhola, pode dizer-se que Assassinato no Comité Central pouco altera a estrutura romanesca clássica. De facto, o movimento oscilatório que vai do "romance negro” tradicional à “ficção política” e que constitui, no essencial, este livro, dá-lhe objectivos circunscritos: diluir a estrutura tradicional do "romance negro”, integrando-a ao mesmo tempo numa geografia que lhe é alheia e que o leitor tem tendência a rejeitar.
 
Mas a grande revelação do domínio oficinal de Manuel Vázquez Montálban está em certa sintonia conseguida entre este movimento e outro similar, mas de objectivos, na sua predominância, políticos: o autor procura, através do tipo de personagens que apresenta, da crítica e do louvor a certas contradições do aparelho partidário e da sua acção, dos comentários feitos à situação política internacional, um oscilar afectivo e ideológico que produz, aos olhos do leitor, um efeito de neutralidade, e, por consequência, de objectividade.
 
Veja-se o caso da personagem principal, o detective Carvalho, ex-militante comunista (afastado pela impossibilidade de uma estrutura tão solene como um partido comunista suportar uma atitude irónica face à vida e a si próprio), ex-agente da ClA (por descrédito ideológico e cepticismo social), que, como se percebe pelo percurso e pelo seu olhar sobre as coisas, é a clara corporização desse movimento oscilatório.
 
Semelhante efeito de neutralidade, de desligamento irónico face à matéria tratada, é fundamental na estratégia deste romance, porque ele, se exceptuarmos o seu notório antifascismo, dilui o lugar ideológico donde parte a radiografia de certas contradições da sociedade espanhola (a permissividade sexual e erótica, a ansiosa busca de um comportamento cosmopolita por parte da juventude, os conflitos laborais, o terrorismo constante, a obsessão separatista, as dúvidas e interrogações pelo processo de consolidação democrático e pela integração europeia, etc.) e a análise dos problemas com que se debate o Partido, não só como aparelho, mas, em particular, como conjunto integrado de militantes individuais (o conflito entre militantes formados na clandestinidade e os formados na legalidade, os hábitos enraizados e maximalizados de perseguição, a desconfiança face às legalidades formais do sistema, o seguidismo, o dirigismo e a voluntarismo, as dificuldades de articulação entre projecto pessoal e colectivo, etc.).
 
Manuel Vázsquez Montálban resolve tomar à letra a ideia, querida aos comunistas, de que o Comité Central representa, na sua diversidade, as componentes sociais progressistas, e, assim, aproveitando-se das investigações que o detective Carvalho vai realizando entre os principais suspeitos, analisar não só a composição social do Partido, como revelar também o militante comunista como um cidadão com projectos e ambições comuns.
 
Desse modo, delineia o perfil de vários tipos, desde o intelectual heterodoxo que vive em sistemática contradição esse estatuto com o de militante (Paco Leveder), o caso do "intelectual clássico", preocupado em aplicar uma competência de saber concreta a uma sensibilidade revolucionária (Sepulveda Civit), o militante de raíz operária cuja vida foi sempre condicionada, com acção e sofrimento, pelo destino que o próprio Partido lhe impôs (Marcos Ordoñez), o esquerdista convertido que procura transformar o Partido, mas cujo aparelho lhe criou uma rotina militante que o desmotiva e cansa (Lacumberri Aranaz), até ao pequeno empresário ambicioso (Esparza Julve) ou o militante rural (Escapá Azancot).
 
Fora deste quadro de suspeitos pertencentes ao Comité Central, só aparecem mais dois retratos que, como militantes, têm uma interligação nuclear: Santos Pacheco e Carmela.
 
Qualquer deles estão profundamente identificados, de forma diversa, com a imagem que o discurso colectivo do Partido elabora de si próprio. Santos Pacheco, eliminando de si as imagens, em teoria alternativas, com que o exterior e o interior do próprio aparelho partidário se digladiam, sintoniza-se com aquela que o próprio colectivo, como veículo, impõe. Carmela, a militante de base, como veículo da imagem que o Partido faz dele, impõe, a si e em seu redor, essa mesma imagem. É este ciclo que faz com que Santos Pacheco seja o alter-ego ético do Partido, isto é, o alter-ego ético de Carmela. Repare-se como aquele reage às hipóteses de assassino levantadas por Carvalho ou na carta que envia a este, despedindo-se do mundo.
 
Para lá dos objectivos principais atrás enunciados, é evidente que Assassinato no Comité Central procura atingir objectivos secundários, alguns deles dignos de realce.
 
Um deles relaciona-se com a revisão do próprio estatuto do intelectual na sociedade contemporânea, utilizando, para isso, o bifronte Paco Leveder/Sixto Cerdan.
 
Paco Leveder é o caso do intelectual que, em consequência deste estatuto, sofre a desconfiança do aparelho, visto que é incapaz de uma total conversão a um discurso unívoco. Reconhece, no entanto, que, só aceitando um lugar histórico (o Partido), pode ter alguma eficácia na História, alguma organicidade social. Por isso, o Partido é para Leveder um Modelo de discurso colectivo com que ele se confronta, não lhe reconhecendo causas individuais: a reacção de Leveder quando soube donde saía o eventual assassínio, comovendo-se e recusando-se a apresentar qualquer consideração, explica-se pela sua descoberta da existência de causas individuais (de traições) dentro do Partido, abalando-se assim aos seus olhos o Modelo com que sempre se confrontou; em resumo, é a reacção de alguém que se sente de todo perdido.
 
Sixto Cerdan é o intelectual independente que abandonou o Partido e que o acusa de reformismo e traição, sendo, por sua vez, acusado por este de falta de organicidade social. A característica "pureza" dos intelectuais independentes (espécie de monstruosidade à procura do apocalipse) vem-lhe desta organicidade social mínima, já que esta confina-se a falar e a deixar-se ouvir. O intelectual é acusado de não falar do social (fala de si), de falar contra ele, fazendo dele seu auditor, seu espectador, e omitindo assim a voz própria do social. E se houver diálogo, então o intelectual deixa de o ser, passa a ser outra coisa, como, por exemplo, militante.
 
Convirá, por fim, referir certos pormenores que, em consequência da posição ideológica de Manuel Vázquez Montálban face à sociedade espanhola e à situação política internacional, caem numa caracterização demasiado fácil.
 
É o caso dos agentes principais da ClA e do KGB, James Wonderful e o Gordo, o primeiro, em grande estado de degradação física e senilidade, o segundo, como funcionário obeso, ansiando pela reforma, símbolos demasiado evidentes da situação presente dos Blocos que defendem. Ou a representação kafkiana das instalações da Direcção-Geral de Segurança, repleta de funcionários carreiristas e corruptos, de ex-torcionários fascistas, agora ao serviço da democracia, principalmente para a minar com o seu imobilismo e a sua hipocrisia. E será por acaso que o assassino do secretário-geral é um elemento da pequena-burguesia, classe que, por convenção ideológica, é sempre representada como facilmente aliciável pelo jogo do mundo capitalista?
 
Pode-se, por isso, afirmar, à laia de conclusão, que Assassinato no Comité Central é também, pelo seu percurso, um livro de reabilitação. Reabilitação do Partido, não tanto pela sua prática, que se reconhece sofrer grandes contradições, motivadas, em particular, pelo seu próprio condicionalismo cultural, mas porque, para lá de todas as especificidades conjunturais, ele aparece, de forma quase irremediável, obrigado a cumprir um papel histórico único.

 

Publicado no JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias em 1982.

 
 

Título: Assassinato No Comité Central
Autor: Manuel Vázquez Montálban
Tradutor: Manuel de Seabra
Editor: Publicações Dom Quixote
Ano: 1982
259 págs., 8,90 €