quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

JOYCE MANSOUR

 



A IRRUPÇÃO VIOLENTA DA CARNE

 

Há certos textos que são puras casas de alucinação, onde se atravessa a beleza fulgurante e a mais repugnante imagem, o sentido mais obscuro e a metáfora rude, como se nada dominasse o discorrer da palavra e esta fosse movida por uma energia insensível e brutal que se distendesse de um modo autónomo pela página.

 
É este perturbante “rosto” que nos deixa a leitura desta narrativa poética, Júlio César - História Nociva, de Joyce Mansour, uma poetisa francesa, nascida em Inglaterra, mas de origem egípcia, que pertenceu ao grupo surrealista de André Breton na década de cinquenta, quando ele já se desmembrava e perdia ímpeto e sentido.

 
Joyce Mansour, logo com os seus primeiros textos publicados, se revelou como a mais interessante poetisa surrealista da sua geração: uma escrita de uma violência radical, com uma componente imagética obcecadamente sexual e com a capacidade de desvendar a fantasmagoria universal através de metáforas dilacerantes. Poucas vezes, de facto, a poesia de origem surrealista conseguira, como, por exemplo, na colectânea Rapaces, semelhante acutilância em “tocar o horror” de forma a transfigurá-lo.

 
Júlio César - História Nociva, possuindo as virtualidades metafóricas da restante poesia de Joyce Mansour, não consegue atingir a mesma intensidade, em específico pela “quebra” que provoca certa irregularidade nos seus parâmetros estéticos. No entanto, esta narração do processo de formação de dois gémeos e da sua relação com a ama, a personagem de nome intrigante que intitula este breve texto, consegue aproximar-se da dimensão mítica, principalmente por se concentrar na enunciação dos “pontos críticos de crescimento”. A voracidade dos gémeos a matar a figura divina, recriando-a como um acto lúdico, e a irrupção sangrenta da sua sexualidade são associadas, de forma metonímica, a cataclismos propiciatórios da dissolução final: e é a carne, por fim, como flor escatológica, húmida e esponjosa, que revela a precaridade nocturna e assassina da sua raíz - o orgasmo.

 
Este texto de Joyce Mansour, trazendo-nos à lembrança alguns poemas de Sylvia Plath, tem a força arrogante de desbastar campos novos da sensibilidade: ficará como um cristal mal facetado, mas possuidor de uma luz que deslumbra a memória dos sentidos. E não há dúvida que é a edição de textos como este Júlio César - História Nociva que dá o lugar certo no mercado livreiro a uma editora que se denomina Hiena.

 

Publicado no Expresso em 1987.

(Foto da Autora de Gilles Ehrmann).

 

 
Título: Júlio César – História Nociva
Autor: Joyce Mansour
Tradutor: Aníbal Fernandes
Editor: Hiena Editora
Ano: 1987
45 págs., esg.



quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

ANN PATCHETT


 
 
AS FRAGILIDADES DA PERFEIÇÃO
 
A escritora Ann Patchett, de quem foi agora publicado no nosso país o seu último romance, intitulado Bel Canto, poderá ser encarada como um excelente caso (dado o seu sucesso) para exemplificar o percurso formativo e curricular das gerações mais recentes de autores da literatura norte-americana.
 
Esta californiana de quarenta anos, oriunda de uma família de classe média, fez toda a sua carreira académica com o objectivo de ser escritora, seguindo as diversas fases de uma formação em “escrita criativa”: na universidade teve, como professores, alguns dos mais importantes escritores americanos actuais (Grace Paley, Russell Banks e Allan Gurganus) e, por fim, concluiu a sua pós-graduação no mais prestigiado curso de escrita criativa dos Estados Unidos: o University of Iowa Writer’s Workshop, dirigido por Frank Conroy.
 
Ainda antes de ter concluido a sua formação académica, publicou a primeira “short-story” numa das mais prestigiadas revistas literárias americanas (a “Paris Review”) e, a partir dessa altura, a sua vida tem sido de uma constância inabalável: obter bolsas literárias, escrever romances e ganhar prémios. Publicou o seu primeiro romance no início da última década (The Patron Saint of Liars, que foi considerado o “notable book of the year” pelo “New York Times”) e, de seguida, mais três romances (Taft, The Magician’s Assistant e Bel Canto, agora traduzido): todos eles foram bem recebidos pela crítica, premiados (o último, no entanto, foi o que obteve galardões de maior relevo: o Orange Prize e o PEN/Faulkner Award), com sucessos comerciais assinaláveis e já adaptados para a televisão e cinema.
 
É quase impossível conceber, de facto, no mundo literário, uma carreira tão “perfeita” e com tanto êxito como a de Ann Patchett. Mas, por isso mesmo, como caso exemplar, a obra desta autora pode ser analisada segundo a perspectiva da avaliação das virtualidades e dos limites dos modelos de formação literária americana, que são, como é sabido, muito desacreditados nos circuitos literários do Velho Continente.
 
 Bel Canto inspirou-se, de forma explícita, num facto político relativamente recente que foi muito “mediatizado”: o sequestro, em finais de 1996, na embaixada do Japão em Lima, pela organização Tupac Amaru, de grande parte do corpo diplomático e da classe dirigente dos círculos económicos e políticos peruanos. Segundo declarações da autora, este assunto interessou-lhe porque lhe permitia compreender os comportamentos de dois grupos bastante antagónicos, com uma composição muito heteróclita, que se encontram enclausurados de forma forçada, durante algum tempo, num universo circunscrito.
 
Porém, quando a autora se lançou neste projecto, tinha, de modo notório, outro objectivo em vista: a convicção que, mesmo entre grupos em confronto dramático, é possível, para lá de tudo o que os divide (opções políticas contrárias, estatutos sociais e culturais marcadamente distintos), com base na sua humanidade e na natural predisposição para aceitar a manifestação de determinados impulsos, entenderem-se e até atingirem uma elevada capacidade comunicativa. Esses impulsos são, na mais singela das simplicidades, o de reconhecer e respeitar a beleza e, em complementaridade, o amor, acreditando-se que este “império da beleza e do amor” é o instrumento necessário e decisivo para a conciliação e para o desenvolvimento ético e caracterial das pessoas.
 
É evidente que o romance, para atingir este objectivo e respeitar escrupulosamente o princípio da verosimilhança, tem de efectuar um verdadeiro “tour de force”. E, neste aspecto, Bel Canto é bem conseguido: o ritmo narrativo é, na sua maior parte, de uma forma deliberada, lento, envolvente, procurando desvendar todos os meandros psicológicos que propiciam a concretização do processo de aproximação entre os dois grupos.   
 
Dentro do cenário já descrito, a acção narrativa desenrola-se em redor de uma cantora de ópera, bela e com uma voz esplendorosa, e de duas histórias de amor, intensas e contidas, expostas num estilo elegante, correspondendo ao mais genuíno cânone literário nova-iorquino. Muitas personagens de Bel Canto, mesmo algumas secundárias (recordo, por exemplo, o russo Fyodorov, claramente concebido para desembocar numa “fala” em que narra a sua vida – uma verdadeira “short-story” dentro do romance – e que, de certo modo, encerra toda a “tese” que Bel Canto pretende ser porta-voz), são individualizadas com cuidado e de forma convicente.
 
Por isso mesmo, torna-se perplexante a forma, relativamente caricaturada, como Ann Patchett delineia os chefes do grupo guerrilheiro: doentes e analfabetos, mais parecendo personificações de um “ingénuo” Mal, seres em estado terminal que só conseguem sobreviver porque são impelidos por um rancor desesperado de conquistar as franjas da beleza que os outros possuem. Sobre o corpo ideológico, que os enforma e motiva, pouco ou nada é expresso ou, nos momentos em que a ele se alude, mais parece uma espécie de “roupagem” emotiva, produto de “slogans” histéricos, com que os “generais” guerrilheiros se manipulam intelectualmente ao mesmo tempo que manipulam os seus “simples” correligionários.
 
Quando o leitor se confronta com esta fragilidade, é levado a interrogar-se sobre a valia literária deste romance, perfeitamente construído, e sobre o significado dos prémios que obteve. Ninguém dúvida da convicção com que Ann Patchett crê que o reconhecimento da beleza origina uma ambiência amorosa que dissolve os conflitos mais extremos e da sua perícia literária em nos tentar fazer acreditar nesta sua convicção. Mas, por isso mesmo, Bel Canto não será apenas uma peça literária laborosamente bem construída para expor uma tese de um excessivo e angelical optimismo? E, por isso mesmo também, não será este romance um excelente exemplo de todas as virtualidades e limites do modelo de formação literária americano? 
 
Publicado no Público em 2002.
 
 
Título: Bel Canto
Autor: Ann Patchett
Tradução: Maria do Carmo Figueira
Editor: Gradiva
Ano: 2002
303 págs., € 5,00
 
 



segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

SIMONE DE BEAUVOIR

 
 
 

SINAIS DE LUTO
  
O tempo passa. Vamos vivendo, amando, lutando, empolgando-nos e desistindo, e, de repente, olhando para o lado, descobrimos um objecto que nos faz ter consciência, emocionados, deste facto óbvio. Este livro, A Cerimónia do Adeus de Simone de Beauvoir, é um desses objectos. Ainda perplexos, com ele tomamos consciência de um facto já conhecido e público: Sartre e Simone de Beauvoir morreram.
 
Durante mais de trinta anos, habituámo-nos a procurar saber o que é que o casal Sartre/Beauvoir pensava sobre as situações que íamos vivendo, até sobre os problemas mais pessoais e íntimos que nos inquietavam. Quer concordássemos ou não, quer entendêssemos ou não, o pensamento deste casal era sempre uma referência necessária para orientarmos a nossa forma de pensar e agir. E talvez não seja abusivo dizer que quase todos os que se preocuparam com questões de ordem ideológica, que procuraram ter posicionamentos claros sobre os homens e o mundo, foram, mais ou menos, directa ou indirectamente, influenciados pelo modo de pensar e agir deste casal. Em termos pessoais, não tenho a menor dúvida de o afirmar.
 
Este livro descreve, no essencial, o processo crescente de doença e morte de Sartre. Resume-se a um mero diário dos últimos anos da sua vida, concebido com o intuito de pormenorizar a evolução do seu estado de saúde, e a um longo diálogo feito principalmente com o objectivo de o manter ocupado na fase inicial do seu processo de cegueira.
 
De certo modo, A Cerimónia do Adeus nada acrescenta à obra de Simone de Beauvoir e pouco mais esclarece sobre a personalidade complexa de Sartre. É um mero epílogo. Mesmo assim, é o diálogo que poderá suscitar mais interesse, em particular porque foi quase sempre orientado para revelar o seu comportamento quotidiano e o modo como Sartre se entendia e assumia (e assim faz referências à sua infância e adolescência, como nele apareceu a filosofia e a literatura, como organizava o seu dia a dia entre elas, como encara o seu corpo e a sexualidade, as relações de amizade, a idade, etc.). E neste aspecto, é aliciante perceber como a existência “prática” de Sartre vai transformando, condicionando e “forçando” as suas formulações teóricas (saliente-se, por exemplo, como Sartre vai dando importância crescente à noção de contingência e o desenvolvimento que foi tendo, na sua filosofia, a noção de liberdade).
 
No entanto, convirá ter sempre em consideração que este livro, enquadrando-se no âmbito da literatura biográfica e autobiográfica (como um número significativo de obras desta autora), vive forçosamente a sua contradição maior entre urna necessidade de representação do autor para si próprio (e para os outros) e uma exigência de sinceridade, determinando assim uma estratégia de escrita, de omissões e de ênfases, que, ao contrário do que se possa crer à primeira vista, exige do leitor um apurado sentido crítico. Mas esse é também um dos motivos de prazer que poderá encontrar neste tipo de literatura que, em Portugal, de um modo intrigante, e em contraste com a França, tem diminutos cultores e uma restrita popularidade.
 
Publicado no Expresso em 1986.
 
 
Título: A Cerimónia Do Adeus
Autor: Simone de Beauvoir
Tradutor: Helena Leonor M. dos Santos
Editor: Bertrand
Ano: 1986
393 págs., esg.
 
 


domingo, 10 de janeiro de 2016

MICHAEL ONDAATJE

 
 
 
 
 

O COLAR DE SANGUE

 
Creio ser importante, antes do mais, chamar a atenção para o registo biobliográfico de Michael Ondaatje, o autor de quem foi agora publicado, depois do tremendo sucesso internacional que foi o seu romance (e o filme que dele fizeram) O Doente Inglês, um segundo livro, As Obras Completas de Billy the Kid. Este poeta, ficcionista, realizador de cinema e editor, de nacionalidade canadiana, nasceu em 1943 no Ceilão e, antes de emigrar para o Canadá, viveu até ao final da sua adolescência em Inglaterra. A sua obra narrativa - publicou quatro romances - situa-se nos Estados Unidos, no Ceilão, no Canadá e em Inglaterra. Já ganhou por três vezes o Governor General’s Literary Award (o mais importante prémio literário canadiano) e por uma vez o Booker Prize.

 
Por este percurso, percebe-se que Michael Ondaatje é um típico “escritor da Commonwealth” e que integra aquele conjunto de autores, bem característicos do universo da literatura anglo-saxónica, que, de certo modo, não tem território. De facto, se, na generalidade, existe uma propensão de todos os autores para reforçar os seus vínculos nacionais ou até regionais (nunca nos podemos esquecer de Faulkner e da sua defesa de que toda a “grande” literatura é estruturalmente regional), no contexto das literaturas anglo-saxónicas aparecem cada vez mais escritores que, tanto ao nível temático como ao nível da sua vivência, são verdadeiros apátridas. É evidente que esta situação só é possível porque é cada vez mais concreta a “aldeia global” (o eterno Marshall McLuhan) e porque a língua inglesa possui um estatuto, dia a dia maior, de língua imperial. Mas, pela aparente eliminação de um elemento estruturante da literatura (o território), este facto deve motivar alguma reflexão sobre o futuro da expressão literária e, em particular, sobre as estratégias narrativas que originará a actual vertiginosa dinâmica entre o local e o global.

 
Para o leitor que travou conhecimento da obra de Michael Ondaatje através de O Doente Inglês, o livro agora publicado deixá-lo-á decerto perplexo. Antes do mais, porque As Obras Completas de Billy the Kid, cuja edição original tem já perto de trinta anos, é uma obra inclassificável (e repare-se: o editor português, na linha do que fez o seu homólogo americano, classificou-a como romance; mas, então, como entender que esta obra tenha sido galardoada com o Governor General’s Literary Award de Poesia de 1970?). Constituído por poemas, textos em prosa, mais ou menos líricos, mais ou menos narrativos, uma entrevista e depoimentos, alguns também poéticos, As Obras Completas de Billy the Kid apresenta-se como uma pretensa colectânea de todos os testemunhos escritos e fotográficos de um dos mais famosos foras-da-lei e assassinos da história americana.

 
Se o cinema e a banda desenhada fizeram de Billy the Kid uma lenda viva, o que é um facto é que quase nada se sabe dele: nem ao certo o seu nome, nem quantos assassínios efectivamente cometeu. Sabe-se apenas que tinha vinte e dois anos e que era, na prática, analfabeto, quando foi assassinado, em 1881, por Pat Garrett, seu ex-amigo e “sheriff” do Condado de Lincoln, Arizona, no momento em que entrava no quarto da sua amante mexicana.

 
Talvez nada disto interesse ou só empolgue os milhares de entusiastas deste “rebel without a cause” que ainda existem por todo o mundo. Porém, o fascínio de Michael Ondaatje por Billy the Kid advém de ser uma lenda quase sem forma nem história, visto que, deste modo, podia fazer desta figura ausente a representação da violência. Por isso, a estratégia narrativa desta obra é, sem sombra de dúvidas, um dos seus aspectos mais conseguidos: aceitando a impossibilidade de “ler” um percurso, o autor não ambiciona descrever nem a personagem nem os acontecimentos decisivos da sua vida; pelo contrário, todos os elementos coligidos na obra pretendem contornar o buraco negro do cano de uma arma ou melhor, para utilizar uma imagem do autor, constituir um colar de sangue. E, por isso, estes textos transpõem em muito a própria personagem e chegam a transportar-nos para situações contemporâneas do autor que, a seu modo, são uma espécie de rasto fantasmático da figura, ao mesmo tempo demoníaca e angelical, de Billy the Kid.

 
A tentação do leitor, perante estes poemas, estes fragmentos de imagens, de diálogos, de breves descrições de situações, é procurar descobrir nesse novelo de indícios o “lugar de origem” da violência que aparece, na sua gratuitidade, como aparentemente “pura” (isto é, inconsequente de qualquer motivação externa e oriunda de um Mal depositado no âmago do ser). Mas não se iluda: Michael Ondaatje devolve-lhe essa tentação através da delimitação textual de um lugar tão próximo da Natureza que a própria linguagem mais não consegue do que debruar um vazio.

 
“Utopize-se” um olhar que mantém ao longo da vida a cristalinidade com que nasceu; esse olhar, como o das aves de rapina, nada mais é senão a natureza que o contém: é esse “olhar branco”, que nada reflecte de si nem do que vê, o lugar primordial da violência, exterior à linguagem e, por conseguinte, exterior aos valores. Por isso, talvez a página mais determinante deste livro estranho seja a primeira: o autor demarca o lugar da única fotografia conhecida de Billy the Kid, sem a reproduzir e legenda-a poeticamente sobre os meios técnicos de que foi feita. Reflectindo sobre ela, talvez se perceba a razão de um certo sentimento de impotência que este livro, mesmo com toda a sua fulgurância metonímica, nos transmite: a linguagem terá sempre dificuldade em perceber aquilo que só a visa destruir.

 
Publicado no Público em 1998.

(Foto do Autor de Murdo Macleod)

 
 

Título: As Obras Completas de Billy the Kid
Autor: Michael Ondaatje
Tradutor: Ricardo Lopes Moura
Editor: Publicações Dom Quixote
Ano: 1998
133 págs., € 12,12
 
 
 

 



VLADIMIR NABOKOV

 



A CONVICÇÃO NO ESTILO

 

 “Nabokov? O da Lolita? Muito picante, não é?”

 
Claro. Este meu conhecimento de praia, para quem a literatura é apenas um ameno entretenimento no calor do Estio, classificou Nabokov como quase toda a gente. E, no entanto, mal sabe como aquelas simples perguntas, se Nabokov as ouvisse, o transformariam numa pilha de fúrias.

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Poucas obras sofreram um percurso tão imprevisível como a deste autor recatado que desejava obter o reconhecimento de iniciados antes dos generalizados louvores do público. E esta atitude, um pouco pedante, era não só resultante da profunda convicção de Nabokov na presunção do seu génio, mas também porque a sua vida o ensinara a não temer o tempo: todos os grandes acontecimentos deste século (a Revolução Russa, as Guerras Mundiais) atravessaram o seu destino, obrigando-o a uma permanente fuga, ao abandono de uma língua natal (que ele particularmente estimava) e a uma existência bem precária num país, os Estados Unidos, onde, de início, poucos (Edmund Wilson e alguns mais) o compreendiam e estimavam. De certo modo, Lolita foi, com o seu escândalo e a denúncia pública de pornografia, uma traição aos caminhos que ele próprio estabelecera para a sua produção literária. E Nabokov estava certo: todos os seus romances ficaram “ocultos” por Lolita; e se a publicidade indirecta feita a esta obra ajudou o autor a adquirir as condições materiais, que sempre lhe tinham faltado, para desenvolver com serenidade a sua restante produção literária, e a obter, para além disso, o reconhecimento da crítica para os seus dotes excepcionais de estilista, isso não obviou a que só perto dos dias de hoje se começassem a divulgar amplamente os seus restantes romances.

 
Em Portugal, para lá de Lolita, só foi traduzido Ada ou o Ardor, a sua autobiografia, e, no ano passado, Transparências, uma narrativa em parte escrita no nosso país. Este ano, de supetão, apareceram duas obras, uma atrás da outra: o romance A Verdadeira Vida de Sebastian Knight, a sua primeira obra em inglês, datado de 1941, e o conto O Encantador, a sua última obra em russo, de 1939, mas só editada após a morte do autor. Falta ainda toda a sua produção nesta língua e, em inglês, entre muitas outras, a sua obra-prima, Pale Fire.

 
Há, de um modo notório, e sem minimizar a enorme qualidade da produção romanesca em russo de Nabokov, na sua ficção em inglês, uma intencionalidade formal que produz sentidos que integram e amplificam o imediatismo do enredo. Mesmo em Lolita. Com alguma maldade, pode chegar a afirmar-se que Nabokov é um admirável estilista de coisa nenhuma. De facto, existe nele uma preocupação prioritária em trabalhar os materiais narrativos, em conjugação profunda com os objectivos dramáticos, que dão um cunho invulgarmente percursor e moderno à sua ficção.

 

ONDE ESTÁ A “VERDADEIRA” VIDA?

 
É o caso de A Verdadeira Vida de Sebastian Knight. O enredo é muito simples: o narrador, fascinado pela personalidade humana e artística do seu irmão escritor, recentemente falecido, vai tentar estabelecer, através da memória e de testemunhos diversos, a sua “verdadeira” biografia (em confronto com outra, redigida por um antigo secretário particular do irmão, que considera difamatória).

 
Este enredo vai servir às mil maravilhas para Nabokov “expor” os mecanismos com que a memória transforma a realidade em palavra. A obra constrói-se em sinuosidades e a personagem de Sebastian Knight aparece em lampejos, conforme evolui e involui a investigação do narrador. A representação do tempo, entre a linearidade da investigação e a linearidade da vida do “biografado”, estilhaça-se, dando, assim, a ilusão de estarmos em presença, como se diria há alguns anos, de uma obra em “construção”.

 
Mas, entre a memória do narrador e a das personagens que, com intensidades afectivas diversas, testemunharam a vida de Sebastian Knight, há desajustamentos, visões contraditórias. E, por isso, na sua tentativa de apreender uma vida, o narrador abre um percurso que desemboca sempre em interrogações: entre a “figura física” e a personagem que cada um dela cria, qual é a “verdadeiramente” real? De que modo os espaços, os objectos, os papéis, que os dedos do tempo deixaram cair depois da morte de quem os possuiu, enunciam o seu proprietário? Serão acidentes ou está neles “verdadeiramente” inscrita a sua existência? E por que interstícios transparece nas obras de ficção de Sebastian Knight a sua “verdadeira” personalidade?

 
Todas estas interrogações originam “verdades” múltiplas com um único referente. E, por isso, o narrador pressente que o Uno, que nomeia a personagem de Sebastian Knight, sempre lhe escapou, sempre esteve adiante da sua investigação. Prevê-O na última obra de ficção do escritor, The Doubtful Asphodel (que narra a experiência e a reflexão de um moribundo); mas o romance acaba no “lado de cá” da morte e o sentido final da obra (e também, provavelmente, da vida de Sebastian Knight) “viaja” com a personagem principal. Depois, prevê-O na vigília do enterro de Sebastian Knight; mas descobre que esta vigília foi um logro e que nenhum corpo “é” uma entidade.

 
E, assim, o narrador, parafraseando a sua caracterização do último romance do irmão, compreende que todos os livros, todos os corpos são mortos, isto é, significantes de um referente que só ganha sangue com a memória dos outros. É que “a alma é apenas uma forma de ser, não um estado constante, e que qualquer alma pode ser nossa, se a encontrarmos e seguirmos as suas ondulações (...) E, assim — eu sou Sebastian Knight.” Ou, como refere de forma mais explícita a frase com que o romance termina: “Eu sou Sebastian, ou Sebastian é eu, ou talvez sejamos ambos alguém que nenhum de nós conhece.

 
Esta engenhosa, e irónica, paródia de uma biografia (repare-se neste “artifício”: inúmeros dados biográficos de Sebastian Knight são idênticos ou congéneres aos do autor, parecendo, por conseguinte, que o narrador investiga Vladimir Nabokov, oculto sob o pseudónimo de Sebastian Knight) atinge, então, o núcleo duro que ilumina todo o projecto deste romance: todas as ficções, todas as biografias são, deste modo, autobiografias da “verdadeira vida” que só existe na memória e no coração do leitor.

 
ADOLESCENTES, NINFITAS, PERDIÇÕES DE VIDA

 
Nem de perto, nem de longe, O Encantador tem a importância de uma obra como A Verdadeira Vida de Sebastian Knight. Mas tem, de qualquer forma, um enorme interesse na perspectiva da exegese literária. Expliquemo-nos: este conto foi a primeira tentativa de Nabokov para tratar o tema que irá desenvolver amplamente em Lolita.

 
O autor escrevera este conto em Paris, pouco antes de fugir aos exércitos nazis e de embarcar para a América, e estava convencido que o tinha destruído. Foi em 1959, já depois de ter escrito e publicado Lolita, que o veio a descobrir no meio dos seus papéis. Por isso, O Encantador não é um “esboço” deste romance, mas um primeiro tentame em abordar um tema que, de um modo intermitente, se fixava ofuscantemente na atenção do escritor.

 
Assim, para lá da importância específica deste conto - e algumas das suas páginas são notáveis exemplos do inconfundível estilo do autor, como, saliente-se, aquelas em que são descritos, num jogo humorado de alusões, os sonhos eróticos do pedófilo, ou as de impressionismo sincopado, quase eléctrico, em que é exposto o seu suicídio – é muito tentador confrontá-lo com Lolita, em particular para perceber como a ideia foi “amadurecendo” em Nabokov.

 
As diferenças no tratamento das personagens e no desenvolvimento do tema revelam mutações de intencionalidade e de perspectiva que, em grande parte, são originadas pela deslocação do autor para os Estados Unidos. Antes do mais, a principal mudança está na caracterização da adolescente “vítima” dos desejos eróticos da personagem principal: enquanto, em O Encantador, aquela é uma entidade neutra, na aparência assexuada, sem atingir uma efectiva autonomia (não é por acaso que nenhuma personagem é nomeada, parecendo, por conseguinte, não ter qualquer existência exterior à relação que motiva esta obra), Lolita afirma-se entre a inocência e a perversão, numa teia feita de atracção e infantilismo onde enreda o desejo perturbado e ansioso de Humbert Humbert. O transtorno deste não é situável no campo das “perversões doentias” (como sucede com a personagem principal de O Encantador), sendo muito mais resultante do seu desejo em não resistir às obsessões eróticas e estéticas que, de modo oculto e ínvio, toda uma lógica social vai alimentando e cultivando, para, depois, condenar quem as satisfaz. Por isso, do conto para o romance, o estatuto de “vítima” inverte-se, da mesma forma que se altera a personagem dominante da acção, com a consequente inversão do nome da entidade que dá título às obras.

 
Mas as variantes na forma de desenvolvimento do tema dão também uma outra amplitude e acutilância ao romance, fazendo com que a sua “história” não seja facilmente etiquetável - como é o caso de O Encantador: o carácter de “confissão” perante um tribunal de Lolita dá-lhe uma perspectiva muito mais subjectiva, pessoalizada, do que a do conto, forçando o leitor a uma maior envolvência ou crispação; a vastidão do cenário americano (com a ininterrupta repetição de estradas, motéis, cidades do interior) reforça o sentido de “amor de perdição” do romance, impossível de conceber em O Encantador, uma vez que as componentes fuga e deambulação, resultantes do obsessivo pânico ao meio social, são neste meramente esboçadas; a personagem Charlotte Haze, essencial em Lolita, porque propicia o radical confronto entre uma relação amorosa, inadmissível em termos institucionais, e uma sexualidade “legítima”, mas maléfica e prostituidora, não tem paralelo no conto; por fim, o final, ao permitir o encontro dos “amantes abandonados” e o olhar destroçado de Humbert Humbert com o distanciado de Lolita, assim como o assassínio patético de Clare Quilty, em contraste com o abrupto suicídio do conto, dão a verdadeira dimensão trágica e insustentável daquelas exaltações amorosas face à mediocridade e hipocrisia da moral social.

 
Estas diferenças (e muitas, muitas mais) transformam Lolita numa das mais subversivas e perturbantes histórias de amor escritas neste século, onde é possível estabelecer inúmeros níveis de leitura e, por isso, definir implicações bem distintas. Perante o romance, O Encantador reduz-se a uma narração linear, conclusiva em si mesma, de um mero caso de tentativa de violação pedófila.

 


Publicado no Público em 1990.

 
(Foto do Autor de Yousuf Karsh)
 
 

Titulo: A Verdadeira Vida de Sebastian Knight
Autor: Vladimir Nabokov
Tradução: Ana Luisa Faria
Editora: Publicações Dom Quixote
Ano: 1990
205 págs., € 7,56

 

Titulo: O Encantador
Autor: Vladimir Nabokov
Tradução: Manuela Madureira (a partir da tradução inglesa de Dimitri Nabokov)
Editora: Editorial Presença
Ano: 1990
117 págs., esg.




 

 



quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

TIM O'BRIEN

 
 
 
 

OS SENTIMENTOS RISÍVEIS
 
Para quem procure ver no romance, entre outros aspectos, um testemunho do correr dos tempos, fica forçosamente intrigado com o facto de este pouco reflectir, pelo menos com obras de grande fôlego, as situações de guerra que se viveram durante este século. Não se quer dizer com isto que não exista importantes obras memorialistas nem que não haja obras literárias, e marcantes, do séc. XX, onde a guerra se encontre de um modo indirecto reflectida. Mas poucas existem em que o próprio “palco de guerra” seja o cenário dominante (ao contrário, por exemplo, do que sucede no cinema). E, no entanto, como experiência-limite, onde tudo o que é determinante no homem está em jogo, a guerra deveria estimular o aparecimento de excelentes obras de ficção. Será que, por excesso, as situações de guerra bloqueiam o poder criativo da arte narrativa?
 
Um bom exemplo deste facto é a Guerra do Vietname. Uma literatura tão poderosa, em termos narrativos, como a norte-americana, apresenta poucos exemplos de autores significativos que se tenham dedicado a testemunhar, pelo romance, esta guerra tão traumática para os Estados Unidos: recordo os nomes de Tim O’Brien, Michael Herr, Philip Caputo, Robert Stone e Tobias Wolff (se exceptuarmos este último - e com uma produção literária que ultrapassa esta delimitação temática - todos os restantes nomes pouco ou nada devem dizer ao leitor português). Se se juntar a estes autores, o nome de alguns memorialistas, como Ron Kovic (principalmente conhecido porque foi com base no seu livro que Oliver Stone realizou o filme Nascido a 4 de Julho), e de alguns poetas, também pouco conhecidos, pode dizer-se que fica encerrada a lista de autores cuja produção literária abordou a Guerra do Vietname. Tem de se concluir que é indiscutivelmente pouco.
 
Quanto mais não fosse porque escreveu dois dos mais importantes romances sobre a Guerra do Vietname (Going After Cacciato, que ganhou o National Book Award, e In The Lake of the Woods) e um magnífico livro de memórias (If I Die in a Combat Zone, Box Me Up and Ship Me Home), a saída em edição portuguesa de um romance de Tim O’Brien deve ser assinalada. Essa obra, intitulada Tomcat in Love, é a primeira do autor que não se centra na Guerra referida (o tema deste romance é a chamada “guerra dos sexos”), continuando, no entanto, a pautar-se pelas mesmas características estilísticas que deram evidência ao autor nas anteriores obras e em que se destaca um humor que decompõe até à irrisão todas as situações humanas, mesmo as mais extremas e dolorosas.
 
A figura central de Tomcat in Love é um professor universitário de Linguística e Literatura, já quarentão, que tem duas obsessões na vida: vingar-se da sua ex-mulher (por quem está convencido que tem uma paixão única, exclusiva, desde o início da adolescência) por o ter abandonado e anotar, de um modo minucioso, as características físicas e psíquicas de todas as mulheres que dele se aproximaram e lhe deram a mais breve atenção. São estas duas obsessões - que se vão revelar conflituosas entre si - que irão motivar um infindável périplo de calamitosas peripécias que o levarão a uma situação degradante em termos sociais e a mergulhá-lo num estado de perturbação quase irreparável.
 
Encadeando um conjunto de situações muito engenhosas e imprevisíveis, o romance sustenta-se num registo de humor que atinge, por vezes, a caricatura a traço grosso, ressalvando-se apenas, aqui e além, um “olhar” que procura tingir de alguma piedade a futilidade das emoções e dos sentimentos humanos (e, neste aspecto, torna-se curiosa a forma como o autor procura estabelecer “cumplicidades” com as leitoras que se encontram em situação de “abandono amoroso” similar à da personagem principal). Se, em geral, Tomcat in Love não consegue, em termos puramente estéticos, transmitir um profícuo prazer de leitura (em particular, porque se torna desgastante e monótona a tónica de autocomiseração que subjaz à estereotipização constante do comportamento amoroso masculino), é forçoso reconhecer que o romance não deixa, por isso, de possuir alguns conceitos estimulantes. Antes do mais, deve ser referida a ideia, estruturante na arquitectura do romance, de que a repercussão histérica das emoções e dos sentimentos é, em exclusivo, alimentada por uma espécie de semântica pessoal, onde as palavras se revestem de um “significado íntimo”; a segunda, onde se procura conectar as relações de dependência afectiva com fixações de culpa geradas, e vorazmente silenciadas, em fases iniciais da formação caracterial (veja-se a descrição muito bem conseguida, logo no início do romance, da forma como se estabelece, entre o cunhado, a ex-mulher e a personagem principal, o imbricamento emocional que determina o seu relacionamento futuro).
 
 
Publicado no Público em 1999.

(Foto do Autor de Darren Carroll).
 
Título: Tomcat in Love
Autor: Tim O’Brien
Tradução: Rute Rosa da Silva
Editor: Difel
Ano: 1999
408 págs., esg.
 
 
 
 
 


RAYMOND JEAN

 
 

 
O DESEJO PELA LEITURA                    
 
Raymond Jean é um professor universitário, ensaísta e romancista, que se tornou conhecido nos anos sessenta e setenta pelos seus estudos de teoria da literatura, centrados na análise da especificidade do facto literário e das suas relações com a realidade. Nesse contexto, este autor foi um dos que, em paralelo aos trabalhos teóricos de Roland Barthes, reforçou a ideia de que a produção literária (e particularmente a poética) não é, na sua estrutura, mimética, mas uma construção semântica que se materializa sobre o vazio do real, uma afirmação verbal do desejo. Corroborando com Ponge, Raymond Jean considera que “o outro” (a coisa, o real) só existe para provocar o desejo; mas a palavra que este gera consome, no mesmo fogo, o sujeito e “o outro”. Em resumo, que a criação literária é, assim, soberanamente erótica.
 
Em complemento do seu trabalho teórico, publicou uma já vasta obra de ficcionista, na qual se destaca a novela agora traduzida, A Leitora (que deu origem a um filme de Michel Deville que há pouco passou, com algum sucesso, nos ecrãs nacionais), porque é um hábil e malicioso exercício sobre as posições teóricas do autor.
 
A Leitora narra as peripécias de uma ex-aluna de literatura que, tendo abandonado os seus estudos para constituir família e encontrando-se ociosa numa cidade de província, resolve colocar um anúncio no jornal, oferecendo-se como leitora ao domicílio. Sucede, no entanto, que esta opção profissional, na aparência inócua, vai revelar-se como uma experiência perturbante e de efeitos imprevisíveis.
 
As peripécias que desencadeiam este ofício da protagonista de A Leitora vão evidenciar que o que move para a leitura, tal como para a escrita, é um desejo de realidade que embate na página branca e nos caracteres negros. Quer isto dizer, que a própria palavra é um meio que dá uma mais-valia ao desejo que lhe interdita qualquer efectiva consumação. A protagonista, ao infiltrar-se no meio do acto de ler, num desejo ocultamente “perverso” de se expôr na nudez polissémica da palavra, dando-lhe corpo e voz, provoca um inevitável “desvio” para si do desejo que a palavra lida contém. Tanto mais que a palavra lida ouve-se a si mesma, encadeando-se, portanto, em pulsão, o desejo dos outros com aquele que a palavra provoca na própria protagonista. O desejo da palavra irá, assim, “desabrochar” no corpo que lhe serve de suporte e que com ele se encontra identificado.
 
Porém, esta experiência tem inúmeros riscos. Antes do mais, porque, de texto para texto, a protagonista toma consciência de que são estes que a escolhem, e não o contrário, transfigurando-lhe, a pouco e pouco, a sua própria natureza e levando-a a uma perca da realidade, do sentido do concreto. Por outro, porque uma vontade narcísica de ordenação ou de transformação do real pode tornar a palavra em “instrumento/vítima” de um poder exterior: é essa experiência limite - sadiana - que leva a abdicação da protagonista, deixando a palavra sem voz.
 
Não se julgue, no entanto, que A Leitora é apenas um sucedâneo, mais ou menos conseguido, de teorias literárias, sem nenhuma autonomia própria. Pelo contrário, esta novela flui num clima de difuso e ambíguo erotismo, de cumplicidades afloradas, que o transforma numa aprazível e muitas vezes até exaltante leitura: é, por isso mesmo, um bom exemplo das teorias que lhe estão subjacentes.
 
Publicado no Público em 1992.
 
  
Titulo: A Leitora
Autor: Raymond Jean
Tradutor: Manuela Torres
Editor: Teorema
Ano: 1992
139 págs.,  esg.