O RINGUE FAMILIAR
Certo
dia, um director editorial, vivendo em Manhattan, recebe dois telefonemas das
irmãs, informando-o de que o seu octogenário pai, em Memphis, anunciou a sua
intenção de se casar de novo. Estes telefonemas, exigindo que ele tomasse posição
sobre o assunto, vão impeli-lo a fazer um balanço sobre a forma como decorreram
as suas relações familiares, em particular como lhe perturbaram a vida, mesmo
quando, mais tarde, se convenceu que se tinha, na prática, libertado delas.
É este
o ponto de partida (e de chegada) de Convocação Para Memphis, o segundo
romance de Peter Taylor, um escritor sulista que adquiriu, nas três últimas décadas,
algum prestígio nos Estados Unidos, em especial no domínio das “short-stories”.
Com um
esquema narrativo já clássico — todo o romance se desenrola em redor de um
acontecimento perturbante que provoca no narrador a necessidade de reformular
posições e comportamentos —, Peter Taylor vai efectuar uma pormenorizada reflexão
sobre a instituição familiar, numa linha de preocupações que tem pontuado
alguns dos actuais ficcionistas norte-americanos (e cujo exemplo mais
interessante continua a ser, na nossa opinião, o de John Irving).
Assim,
Convocação
Para Memphis alonga-se numa fatigante análise caracterial dos membros
da família do narrador, centrando-se particularmente no comportamento do pai,
cujas opções vão condicionar em definitivo a existência dos restantes elementos
familiares. Uma falência fraudulenta e a rotura com um amigo levam o pai a
deslocar a sua família, nos anos quarenta, de Nashville para Memphis, e esta
transferência para um novo ambiente sociocultural vai provocar não só a
desagregação psicológica da mãe, mas uma série de consequências nefastas para os
filhos: a impossibilidade de casamento para as duas filhas, o envio, como
voluntário, de um dos rapazes para a guerra, onde vem a morrer, e a fuga do
outro para Nova lorque.
Mas, o
que está aqui em causa, é se o arbítrio do pai, resultante da autoridade que
lhe é conferida em termos sociais, e agindo sem ter em consideração as apetências
específicas de cada membro da família, é apenas um sinal de um brutal egoísmo
ou a natural manifestação da tensão conflituosa sobre a qual a família se
institui. Se assim for, é aceitável que os filhos, quando recebem, por sua vez,
em consequência da idade avançada dos pais, a autoridade familiar, tenham
legitimidade para colocar na primeira linha os seus próprios interesses, condicionando
e “punindo” a velhice paterna: no caso presente em Convocação para Memphis,
levando os filhos a despistar um eventual casamento na velhice do pai, que lhes
poderia cercear a integral herança do património paterno.
A
perspectiva de Peter Taylor, neste seu romance, sobre a instituição familiar é de
a encarar, por conseguinte, não tanto como lugar privilegiado da gestão dos
afectos, mas como o espaço privado de um irremediável “ajuste de contas”
geracional e de uma permanente antropofagia.
Contudo,
tudo isto já foi, e com outros meios, exaustivamente exposto pela psicanálise.
Uma grande imprecisão na estrutura romanesca, uma monotonia estilística
acentuada e uma reflexão repetitiva e “enrolada” não contribuem, decerto, para que
um posicionamento conceptual já conhecido tenha uma outra Iuminosidade.
A ambição,
às vezes, é nefasta: o material-base, que Peter Taylor utilizou, bastava,
rigorosa e unicamente, para uma curta novela interessante; ao tentar dar-lhe um
tratamento extenso, o autor transformou Convocação Para Memphis num evitável
romance falhado.
Publicado no Expresso em 1988.
Título: Convocação Para Memphis
Autor: Peter Taylor
Tradutor: Daniel Gonçalves
Editor: Difel
Ano: 1988
195 págs., esg.
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