ATREVER-SE A VOAR
Há livros que têm a singeleza de procurar responder às
necessidades do tempo: é essa a principal qualidade desta fábula que Luis
Sepúlveda agora escreveu com o longo título de História De Uma Gaivota E Do Gato
Que A Ensinou A Voar. Talvez esta difícil qualidade seja resultante de
uma exigência comum às restantes obras deste escritor chileno, que a si próprio
se define como escritor militante; mas, como é natural, transparece de uma
forma mais nítida numa obra que pretende atingir um público juvenil.
Em termos estilísticos, História De Uma Gaivota... foi nitidamente
“trabalhada” para acentuar a função comunicante, neutralizando os seus efeitos
simbólicos até ao limite da mais límpida legibilidade. Há que transmitir a
urgente consciência de como a tragédia ambiental é já quotidiana do universo
infantil e, em paralelo, estimular o espírito de enfrentá-la com um sentido
colectivo de entreajuda que auxilie cada um a cumprir o seu lugar no mundo. É
esse o objectivo da tolerância - o “ensinamento” principal desta obra, segundo
algumas entrevistas do autor. Por isso, o empenhamento do gato do título, em
posicionar a gaivota na “ordem das coisas”, só é conseguido porque é assumido
pelo “colectivo” dos gatos do porto de Hamburgo e pelo “poeta-humano” que
ensina à gaivota a melhor forma de concretizar o seu “sonho”: ousar assumi-lo
como destino.
No entanto, talvez o melhor “ensinamento” deste livro seja
aquele que menos explícito é, mas que mais intimamente está subjacente à sua
escrita: como um bom livro sobre gatos, o que nele mais “transpira” é um
intenso prazer de viver, onde tudo, desde a aceitação da diversidade dos seres,
o afrontamento dos interditos, ou a superação das dificuldades e do sofrimento,
parece contribuir para reforçar o júbilo da vida. E talvez seja por isso que
esse “gozo” de viver (e, claro, de escrever) transpareça na dimensão lúdica
desta pequena obra - é deliciosa a enumeração borgesiana do conteúdo do “Harry
- Bazar do Porto” - que consegue colocar nos limites do suportável a sua
componente “pedagógica”.
Fique clara, porém, uma coisa: este livro não pretende ser
mais nem menos do que um livro para a infância. E é um bom livro para a
infância. Por isso, parece-nos de uma ridícula e confrangedora banalidade a
frase promocional que aparece na cinta que acompanha esta edição. Será que
ainda tem algum efeito comercial escrever que um bom livro para a infância é “para
jovens dos 8 aos 88”?
Publicado no Público
em 1997.
Título: História De
Uma Gaivota E Do Gato Que A Ensinou A Voar
Autor: Luis Sepúlveda
Tradução: Pedro Tamen
Editor: Ed. Asa
Ano: 1997
122 págs., € 7,75
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