UM OLHAR TAO
Se
tentarmos desvendar caminhos na floresta narrativa e poética de Lawrence Durrell,
logo perceberemos que um dos mais importantes é a senda em que busca estabelecer
com os lugares uma consonância onde a individualidade respira ao ritmo da
“harmonia mundi”, compenetrando-se dos diversos “deus loci” (título de uma das
suas colectâneas de poemas) e formando com eles um pleno e primordial ser. Esta
“poiesis”, que, no essencial, pretende descobrir a espiritualidade da matéria,
explica, em grande parte, o percurso existencial e artístico de Lawrence
Durreil: peregrino do Sol, este irlandês nascido na Índia vai procurar por todo
o Mediterrâneo e por todas as doutrinas não-racionalistas (desde os pré-socráticos
à gnose, passando pelas filosofias orientais) a consubstanciação da sua maneira
de pensar e sentir.
É
certo que Lawrence Durrell sempre reconheceu a existência do Príncipe das Trevas
na matéria e nos interesses materiais (é essa uma das obsessões do Quinteto
de Avinhão). Mas a redenção pelo sacrifício e pela morte, enraizada na
civilização ocidental pelo cristianismo, como via para extirpar a sua presença,
sempre lhe pareceu abjecta e aquela que, pelo contrário, mais a favorece. Por
isso, Lawrence Durrell tem defendido a necessidade de ultrapassar uma ética categórica
e de reconhecer, como os gnósticos, a existência de contrários, sendo esta não
só a melhor forma de reduzir a acção de Lucifer, como aquela que permite ao homem
atingir a plenitude no seio da Natureza.
Procurar,
através da contenção, a sintonia da energia individual e cósmica, como forma de
estabelecer uma comunicabilidade empática e não apenas verbal e racional,
desejar a plenitude (e porque não a imortalidade?) nesta vida, pela integração
de contrários e pelo não-agir, são princípios fundamentais do taoismo e Um
Sorriso nos Olhos da Alma, o breve conjunto de recordações e reflexões
agora traduzido e editado, confirma-nos que esta doutrina nunca andou longe do
pensamento de Lawrence Durrell.
Os
dois encontros (um com o taoista Jolan Chang, outro com uma mulher enigmática,
aparentemente ocasional, obcecada pela paixão de Nietzsche por Lou Andreas-Salomé,
que percorre com o autor o lago de Orta, onde o filósofo alemão se teria
declarado) e a deslocação a um templo tibetano na região de Autun, em redor dos
quais se tece o fio condutor de Um Sorriso nos Olhos da Alma, são
narrados como situações paradigmáticas das potencialidades comunicacionais de
Tao. E é aqui que, em particular, intervém a já habitual magia verbal deste autor,
ao transformar as descrições de ambientes e paisagens em verdadeiros cenários
interiores, em conseguir arrastar o leitor na expressão exaltada dos afectos,
do amor físico, da mulher.
Publicado no Público em 1990.
Título: Um Sorriso nos Olhos da Alma
Autor: Lawrence Durrell
Tradutor: Helena Cardoso
Edição: Quetzal
Editores
Ano: 1990
105 págs., esg.
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