MÚSICA
DE CÂMARA
Existem
escritores que, em vez de pretenderem realizar abrangentes totalidades sobre a
condição do homem, ou de se confrontarem com espectaculares tragédias ou
imponentes sistemas filosóficos, impõem, pelo contrário, nas suas obras, uma tonalidade
de música de câmara, procurando unicamente aflorar aqueles “dramas moleculares”
do quotidiano que tanto condicionam a existência.
É este
o caso de Grace Paley, uma escritora norte-americana que, há cerca de trinta
anos, iniciou a sua obra de ficcionista com este Pequenas Contrariedades da Existência
que a Relógio d’Água agora traduziu e editou. Originária de uma família judia
russa, Grace Paley nasceu, em 1922, em New York, tendo dedicado a maior parte
da sua vida a conceber “short-stories” possíveis de terem de facto sucedido
entre a vizinhança dos bairros de Bronx ou de Lower East Side onde sempre
viveu.
Pequenas
Contrariedades da Existência é constituída (como a
restante obra desta autora) por breves histórias de mulheres, narradas, de forma
sistemática, com um humor que, muitas vezes, toca o patético, e onde a desgraça
ou a felicidade parecem não ser coisas deste mundo, ou, pelo contrário, tão profundamente
mescladas na vida das pessoas, que dá a ideia de que a lágrima e o sorriso aparecem
do nada.
A
melancolia e a ternura com que são descritas rupturas e as paixões, os
conflitos de geração, as faltas de dinheiro ou as súbitas prosperidades,
transmitem a estas “short-stories” uma envolvente serenidade e revelam que Grace
Paley tem uma enorme cumplicidade com as personagens femininas que retrata.
Depreende-se
de Pequenas
Contrariedades da Existência uma vontade simples de “mostrar”, como se
fosse impossível descobrir qualquer sentido na existência das pessoas. Nenhuma
conclusão é assim retirada destas “short-stories”, deixando-se, por isso, ao
leitor a possibilidade de efabular a sua significação.
Utilizando
a elipse e um estilo simples e directo, num tom vagamente tchekoviano (a que não
deve ser estranha a sua origem russa e judia), Grace Paley consegue atingir, em
Pequenas
Contrariedades da Existência, uma significativa intensidade lírica
que é, a maior parte das vezes, um sinal maior das “short-stories” - essa, sem
sombra de dúvida, a grande criação narrativa da literatura norte-americana.
Lamenta-se,
no entanto, que a edição portuguesa revele uma tradução e revisão descuidadas,
obscurecendo, não poucas vezes, o sentido destas histórias.
Publicado na revista Ler em 1987.
Título: Pequenas Contrariedades da Existência
Autor: Grace Paley
Tradutor: Paula Castro
Editor: Relógio d’Água
Ano: 1987
126 págs., esg.
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