HARLEM NEGRO
Quando
Chester Himes começou a escrever romances policiais, já tinha abandonado os
Estados Unidos e iniciado um longo périplo por toda a Europa, que terminou com
largas estadias em França e em Espanha, onde velo a morrer. Este exílio, longamente
acalentado, foi motivado, tal como sucedeu com Richard Wright e James Baldwin,
por incapacidade de suportar o segregacionismo racial americano.
Foi,
portanto, em desespero de causa e por razões de subsistência, que Chester Himes
começou a escrever romances policiais (e só quando, em 1956, Marcel Duhamel lhe
deu garantias de publicação na, mais tarde prestigiadíssima, colecção se“Sèrie
Noire” da Gallimard), tendo iniciado esta nova fase da sua obra com For
Love of Imabelle, o romance agora editado com o título Tumulto
em Harlem. O romance obteve um sucesso imediato e foi louvado pela crítica
(incluindo a norte-americana, uma vez que os romances de Chester Himes, com a
auréola de sucesso obtida em França, nunca mais terão dificuldades de edição
nos Estados Unidos) pela sua capacidade de inovação do género e pela sua
integração da acção em meios sociais que, até aí, nunca tinham sido descritos tão
“por dentro”.
De facto,
as personagens deste primeiro romance (e dos posteriores, já que o autor vai continuar
a utilizá-las) são “pobres-diabos”, subsistindo de expedientes, gente que vive
em permanente deslize para uma tíbia marginalidade, figuras típicas de Harlem,
esse bairro que, mais tarde, tanto sucesso vai ter nos livros e nos filmes do género.
E a minúcia da contextualização das personagens é feita com tal preocupação de verosimilhança
que qualquer pessoa se poderia deslocar naquele bairro negro, utilizando o romance
como carta geográfica... Contudo, a caracterização das personagens e dos ambientes
existe só na medida certa das necessidades da acção narrativa e é essa
funcionalidade que lhe proporciona um vertiginoso ritmo.
Mas
também é esta funcionalidade que condiciona Tumulto em Harlem ao estatuto
de ser apenas um razoável romance policial: as personagens têm sempre uma
linearidade unívoca e inalterável, a caracterização de ambientes é feita por
justaposição de elementos de forma quase repetitiva, as situações resumem-se
aos diálogos (às vezes, com algum humor) e a um descritivismo mecânico da acção
das personagens. Curiosamente, o romance ganha um outro fôlego quando a violência
se acentua (a partir do assassinato de Goldy, o irmão da personagem principal),
como se a dramaticidade das situações libertasse o escritor dos seus meios
restritos de narração.
Por
isso mesmo, Tumulto em Harlem permite perceber, pelos seus condicionalismos
narrativos, porque é que a literatura não-policial deste autor é bem menos
interessante, chegando a confinar-se ao meramente documental (é o caso, por
exemplo, da sua autobiografia). E porque é que, nos dias de hoje, a obra de Chester
Himes tem sofrido uma reavaliação crítica que tem colocado este autor na sua dimensão
certa: a de ser só um bom autor de romances policiais.
Publicado
no Público em 1990.
(Foto do Autor de CORBIS).
(Foto do Autor de CORBIS).
Título: Tumulto em Harlem
Autor: Chester Himes
Tradução: Mariana Pardal Monteiro
Editora: Edições 70
Ano: 1990
254 págs, esg.
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