TAREFA INGLÓRIA
Um dos
critérios mais sintomáticos, que o meio editorial português tem utilizado, para
a escolha, com vista a eventual tradução e edição, de títulos e autores franceses,
é o dos prémios literários. É um critério frágil e revelador das dificuldades
que, na actualidade, os nossos editores têm em se orientar na selva da produção
literária e do movimento editorial gaulês. Tanto mais que é sabido que a
concessão de um prémio a uma obra, nos casos, pelo menos, mais importantes, como
é o Goncourt, é em grande parte consequência de um complexo jogo de influências
que as casas editoras exercem sobre os membros do júri (na generalidade,
autores dessas mesmas casas editoras).
Erik
Orsenna ganhou o prémio Goncourt em 1988, com o romance A Exposição Colonial (já
editado no nosso país), e, por isso mesmo, foi bastante referenciado durante
esse ano no meio literário francês. Naturalmente, integrou também a comitiva de
escritores que se deslocou a Portugal no ano seguinte, no âmbito do programa
das “Letras Francesas”; no entanto, como sucede sempre nestes intercâmbios, o
que se pretende nestas circunstâncias não é tanto chamar a atenção para este ou
aquele autor (a composição destas “embaixadas” é, de um modo quase inevitável,
resultante de condicionalismos vários), mas permitir uma imagem diversificada
da produção literária de um determinado país e propiciar contactos entre
criadores e públicos. E, de facto, Erik Orsenna, com Goncourt e tudo, era um
dos autores menos significativos da comitiva, não só porque é muito pouco prolífico
(em catorze anos, publicou quatro títulos), mas, sobretudo, porque nunca ultrapassou
um valor literário mediano.
Traduzir
e editar um romance como A Vida Como Em Lausanne pareceu-nos,
assim, um trabalho com muitas possibilidades de se tornar inglório. O projecto narrativo
deste romance é, por si só, já estreito e perigoso: retratar a mediocridade
existencial de certa camada dirigente da actual República Francesa, utilizando por
eixo o percurso de um político centrista que descobre, como paradigma de vida,
os valores cinzentos de uma cidade como Lausanne.
Tudo
isto é, obviamente, estereótipo; mas, ainda assim, poderia dar origem a uma panorâmica
balzaquiana da presente sociedade francesa. Em particular, se tivermos em conta
que o referido percurso se inicia, antes da I Guerra Mundial, com os ambiciosos
desígnios poéticos que a mãe, ainda na concepção, projecta para o futuro político,
e se desenrola, entre amores abúlicos e carreiras fracassadas, ao longo de todos
os grandes acontecimentos por que passou a França contemporânea.
Para
que tal sucedesse, seria necessário, porém, que o autor não perspectivasse,
utilizando um humor muitas vezes de gosto duvidoso, as situações e as
personagens de forma redutora e caricatural. Esse olhar desfigurante, que o
autor lança sobre todas as personagens (mesmo sobre aquelas que pretende tratar
de forma benévola, como são os casos da mãe da personagem principal ou da única
paixão por esta nomeada), faz com que a mediocridade alastre como uma pasta
gelatinosa sobre os movimentos sociais e políticos que deram corpo à França
deste século, transformando-os num cortejo carnavalesco de factos e figuras.
Por outro lado, não se vislumbra no romance outro fio condutor que não seja uma
permanente deriva entre esses factos históricos, integrados, por vezes de forma
forçada, na história individual da personagem principal.
.
A
utilização constante da elipse e uma minuciosa fundamentação histórica, bem
reveladora da dimensão profissional com que Erik Orsenna entende o trabalho
literário, são os principais méritos de A Vida Como Em Lausanne. Mas uma tradução
literal em excesso e uma pontuação descuidada fazem com que o texto em português
se torne muito confuso e, por vezes, absurdo. Além disso, a inexistência de um
correcto trabalho de edição que esclarecesse, através de notas de rodapé, as
infinitas alusões e referências ao mundo cultural, social e político francês,
faz com que este romance se torne ilegível ou, pelo menos, bastante insignificante
para o nosso leitor comum.
Publicado no Público em 1990.
Título: A Vida Como Em Lausanne
Autor: Erik Orsenna
Tradutor: Franco de Sousa
Editor: Editorial Estampa
Ano: 1990
268 págs., € 3,00
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