BONS
SENTIMENTOS
Se há princípio milenar que, nas últimas duas décadas, voltou a ser
frontalmente assumido, é o de que não vem mal nenhum ao mundo por ler uma
história (boa ou má). Pelo contrário, decerto algo de positivo virá. E se uma
história não chega para fazer um romance, não há dúvida que uma história (ou
uma simples personagem, por exemplo) pode bastar para permanecer como um
imorredoiro marco da arte narrativa para quem a lê, tornando-se decisiva para
consolidar os seus hábitos de leitura.
O romance Um Momento Inesquecível (tradução questionável de A
Walk to Remember) de Nicholas Sparks não pretende ser mais do que uma
história contada de uma forma clara e sentida. Não chega para fazer um bom
romance? Pois não; mas não vem mal nenhum ao mundo por isso. Nicholas Sparks é
um daqueles autores americanos que tudo o que publica se transforma numa
verdadeira “árvore das patacas”: os seus livros vendem-se às largas centenas de
milhares de exemplares, só nos Estados Unidos, e, para além disso, são traduzidos
e vendidos por todo o mundo. Criou um público – em particular, feminino - que
espera com ansiedade os seus livros e os seus editores têm a garantia de que,
seja o que for que tenha a sua autoria, terá sempre alguns milhares de
leitore(a)s incondicionais.
Um Momento Inesquecível é, na nossa opinião, um romance
interessante para jovens; não só porque se centra numa história de amor de
adolescentes, repleta de bons sentimentos (e se os bons sentimentos - tal como
uma história - não chegam para fazer boa literatura, também não fazem mal
nenhum aos jovens) e de redenções, mas também porque, sem nenhumas pretensões,
se expõe um processo de aprendizagem e a descoberta de um percurso para a
maioridade.
O mérito do título em português é realçar uma das motivações do narrador
(que, tendo todos os elementos de identificação iguais aos do autor, parece
ser, por conseguinte, um seu “duplo”): ele percebe que está na “brevidade” uma das componentes da “perfeição” de
uma história. Para além desta, a outra motivação é fruto da “gratificação” que
sente, agora que se encontra a meio caminho do fim da vida, pelo papel que esta
experiência desempenhou para mudar a sua atitude perante a vida e a sua
concepção do mundo e da natureza. A aprendizagem, que absorveu com a sua vivência,
deriva da obstinação da sua amada (uma jovem cujos valores religiosos e éticos
são tão arreigados que fazem dela uma figura arcaica, ridícula e desajustada em
termos sociais) em praticar a bondade e em “aceitar os desígnios de Deus”, ao
ponto de essa atitude transfigurar a sua beleza, e de acreditar nesses
princípios como se fossem o único caminho possível, sem rancores nem dúvidas,
mesmo quando sabe que a sua morte é o futuro imediato.
Percebe-se, por tudo isto, que existe, em Um Momento Inesquecível,
alguma dependência dos modelos da literatura de “self-help” que tanta
importância sociocultural tem nos Estados Unidos (e que, a pouco a pouco,
também começa a ter na Europa e até no nosso país). Mas, por isso mesmo,
parece-nos que a integração desta obra na colecção “Grandes Narrativas” (do
mesmo modo que o magnífico A História Interminável de Michael
Ende ou as obras de Jostein Gaarder ou mesmo as de Susanna Tamaro), ao lado de
títulos de Abelaira, Mourão-Ferreira, Alçada Baptista ou Helder Macedo (e isto
para só referir alguns autores portugueses), é, na nossa perspectiva, uma
estratégia editorial no mínimo bizarra, já que, de certeza, irá provocar
equívocos num público eventualmente “fiel” à colecção.
Publicado no Público em 1999.
Título: Um Momento Inesquecível
Autor: Nicholas Sparks
Tradutor: Jaime Araújo
Editor: Editorial Presença
Ano: 1999
155
págs., esg.
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