APRENDER A SOBREVIVER
SOB O REGIME NAZI
Mas esta
intervenção polémica na sociedade alemã teve, no
entanto, o inconveniente de obliterar - mesmo continuando a considerá-lo como
um dos mais importantes escritores alemães do pós-guerra - a sua importante
produção de ficcionista.
A publicação
de O
Que Vai Ser Do Rapaz? vem de novo revelar, mesmo num texto de circunstância,
o subtil brilhantismo estilístico de uma escrita que, parecendo deliberadamente
desarrumada e caótica, sabe utilizar essas aparentes insuficiências para realçar
a diversidade do real.
O Que Vai
Ser Do Rapaz? é um texto autobiográfico, em que o autor pretende
narrar os seus últimos anos de liceu, entre 1933 e 1937, quando Adolfo Hitler
ascendia ao poder e parecia que o nazismo iria ocupá-lo para sempre.
O texto
está organizado numa dupla e paralela narrativa: por um lado, descrevendo a reacção
de Böll às matérias escolares, aos professores e aos colegas; por outro, os percursos
para a escola, as “gazetas”, as fugas para os subúrbios de Colonia, onde, com uma
bicicleta e alguns livros, procurava obter alguma serenidade que a presença
terrificante das Juventudes Hitlerianas na cidade não lhe permitia ter.
É esta
segunda faceta da sua vida de adolescente que Heinrich Böll considera ter
respondido à inquietação familiar expressa pelo título da obra. Porque, como
ele próprio refere, a sua aprendizagem escolar foi principalmente uma preparação
para a morte, visto que, subjacente aos valores da cultura que lhe era
transmitida, estava (pelo menos) uma resignação ao terror nazi e a assumpção da
necessidade de espírito de sacrifício para a guerra que se encarava como inevitável.
Por isso, era na escola da rua que efectivamente Böll aprendia não só a sobreviver
à depressão económica e ao nazismo, mas também a perceber que, mesmo nessa
realidade adversa, pode coexistir a alegria, o prazer da descoberta e atingir a
irresponsabilidade necessária para se esquivar ao sofrimento.
Daí que
a narrativa “fuja” de um modo constante para um quotidiano, onde as dificuldades
económicas, as cumplicidades com o mercado negro, as discussões familiares, as
cedências para sobreviver ao nazismo, não conseguem esconder a intensa
nostalgia de breves momentos em que a vida ganha sentido. E é essa nostalgia
que “tinge” as mais belas páginas desta narrativa e onde se revela as melhores
qualidades de Böll como escritor.
Saliente-se,
por fim, que a fixação deste texto em português nos parece irregular, com uma
pontuação algumas vezes absurda. Além disso, faltam nesta edição algumas notas
que colaborem para uma maior explicitação de uma obra que, referindo-se a
hábitos peculiares e a situações históricas muito pontuais, não é, por isso,
acessível ao leitor médio.
Publicado
no Expresso em 1987.
Título:
O Que Vai Ser Do Rapaz?
Autor:
Heinrich Böll
Tradutor:
Maria Adélia de Silva Mello
Editor:
Difel
Ano: 1987
págs.
91, esg
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