quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

ERIK ORSENNA

 
 
 
TAREFA INGLÓRIA
 
Um dos critérios mais sintomáticos, que o meio editorial português tem utilizado, para a escolha, com vista a eventual tradução e edição, de títulos e autores franceses, é o dos prémios literários. É um critério frágil e revelador das dificuldades que, na actualidade, os nossos editores têm em se orientar na selva da produção literária e do movimento editorial gaulês. Tanto mais que é sabido que a concessão de um prémio a uma obra, nos casos, pelo menos, mais importantes, como é o Goncourt, é em grande parte consequência de um complexo jogo de influências que as casas editoras exercem sobre os membros do júri (na generalidade, autores dessas mesmas casas editoras).
 
Erik Orsenna ganhou o prémio Goncourt em 1988, com o romance A Exposição Colonial (já editado no nosso país), e, por isso mesmo, foi bastante referenciado durante esse ano no meio literário francês. Naturalmente, integrou também a comitiva de escritores que se deslocou a Portugal no ano seguinte, no âmbito do programa das “Letras Francesas”; no entanto, como sucede sempre nestes intercâmbios, o que se pretende nestas circunstâncias não é tanto chamar a atenção para este ou aquele autor (a composição destas “embaixadas” é, de um modo quase inevitável, resultante de condicionalismos vários), mas permitir uma imagem diversificada da produção literária de um determinado país e propiciar contactos entre criadores e públicos. E, de facto, Erik Orsenna, com Goncourt e tudo, era um dos autores menos significativos da comitiva, não só porque é muito pouco prolífico (em catorze anos, publicou quatro títulos), mas, sobretudo, porque nunca ultrapassou um valor literário mediano.
 
Traduzir e editar um romance como A Vida Como Em Lausanne pareceu-nos, assim, um trabalho com muitas possibilidades de se tornar inglório. O projecto narrativo deste romance é, por si só, já estreito e perigoso: retratar a mediocridade existencial de certa camada dirigente da actual República Francesa, utilizando por eixo o percurso de um político centrista que descobre, como paradigma de vida, os valores cinzentos de uma cidade como Lausanne.
 
Tudo isto é, obviamente, estereótipo; mas, ainda assim, poderia dar origem a uma panorâmica balzaquiana da presente sociedade francesa. Em particular, se tivermos em conta que o referido percurso se inicia, antes da I Guerra Mundial, com os ambiciosos desígnios poéticos que a mãe, ainda na concepção, projecta para o futuro político, e se desenrola, entre amores abúlicos e carreiras fracassadas, ao longo de todos os grandes acontecimentos por que passou a França contemporânea.
 
Para que tal sucedesse, seria necessário, porém, que o autor não perspectivasse, utilizando um humor muitas vezes de gosto duvidoso, as situações e as personagens de forma redutora e caricatural. Esse olhar desfigurante, que o autor lança sobre todas as personagens (mesmo sobre aquelas que pretende tratar de forma benévola, como são os casos da mãe da personagem principal ou da única paixão por esta nomeada), faz com que a mediocridade alastre como uma pasta gelatinosa sobre os movimentos sociais e políticos que deram corpo à França deste século, transformando-os num cortejo carnavalesco de factos e figuras. Por outro lado, não se vislumbra no romance outro fio condutor que não seja uma permanente deriva entre esses factos históricos, integrados, por vezes de forma forçada, na história individual da personagem principal.
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A utilização constante da elipse e uma minuciosa fundamentação histórica, bem reveladora da dimensão profissional com que Erik Orsenna entende o trabalho literário, são os principais méritos de A Vida Como Em Lausanne. Mas uma tradução literal em excesso e uma pontuação descuidada fazem com que o texto em português se torne muito confuso e, por vezes, absurdo. Além disso, a inexistência de um correcto trabalho de edição que esclarecesse, através de notas de rodapé, as infinitas alusões e referências ao mundo cultural, social e político francês, faz com que este romance se torne ilegível ou, pelo menos, bastante insignificante para o nosso leitor comum.
 
Publicado no Público em 1990.
 
 
Título: A Vida Como Em Lausanne
Autor: Erik Orsenna
Tradutor: Franco de Sousa
Editor: Editorial Estampa
Ano: 1990
268 págs., € 3,00



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