domingo, 5 de janeiro de 2014

NATHANAEL WEST


 


 
A FARSA AMERICANA

 
Quando se enquadra a produção romanesca de Nathanael West no período em que surgiu, consegue perceber-se algumas das razões por que, numa fase já bem posterior à morte do escritor, a sua obra foi expressivamente revalorizada.
 
Na década de trinta, a ficção americana era dominada pela (agora demasiado esquecida) trilogia USA de John Dos Passos, pela épica social de John Steinbeck (de Tortilla Flat, em 1935, ao famoso As Vinhas da Ira, em 1939), pelo constante confronto com a morte de Hemingway (Morte à Tarde e As Neves do Kilimandjaro), pelo contínuo deambular sulista de William Faulkner (do genial Santuário até As Palmeiras Selvagens), enquanto F. Scott Fitzgerald finalizava a sua incursão literária maior, em 1934, com Terna é a Noite. Paralelamente, Thomas Wolf (quando será conhecido em Portugal, como deve ser, este autor?) continuava a sua torrencial narrativa (Of Time and the River, 1935, e The Web and the Rock, 1939) e Henry Miller, na mais europeia marginalidade, publicava os seus Trópicos. Por fim, é a a época áurea do romance negro (Raymond Chandler, Dashiell Hammett e James Cain) e dos “best-sellers” de Margarett Mitchell (E tudo o vento levou), de Pearl Buck, de Louis Bromfield, de James Farrell e ainda de Erskine Caldwell (A Estrada do Tabaco).

Neste quadro literário, muito marcado pela Depressão, a obra de Nathanael West distingue-se, não tanto pela existência de uma temática alternativa, mas por um tratamento original de uma problemática comum a esta época.

 O traço “expressionista” do estilo (resultante de uma notória componente “plástica”, como é bem assinalado pela prefaciadora) estabelece uma curiosa consonância com a prática literária e dramatúrgica de língua alemã dos anos vinte. Semelhante traço revela que existia em Nathanael West uma inquietação “modernista” que, em confronto com uma conjuntura social tensa, provocou o aparecimento de formas ficcionistas alternantes aos modelos de construção romanesca característicos da década americana de trinta.

Mas o aspecto mais interessante desta obra está no nexo que este traço expressionista estabelece com outros elementos estruturais, em particular os relativos à caracterização das personagens e à montagem da acção.
 
 As personagens dos romances de Nathanael West são meros recortes de cenário, entidades transformadas em “pivots” de situações sociais. Por outro lado, há uma dimensão “teatral”, mesmo satírica (decorrente de uma longa tradição de humor bem americana), nas situações descritas, todas elas bem reveladoras de um posicionamento critico, comum a tantos autores, em relação à sociedade americana: a de ser uma sociedade que institucionaliza a ilusão da afirmação social, desenvolvendo-se nesse entusiasmo, mas que, ao mesmo tempo, projecta de um modo sitemático os seus membros numa realidade pobre, transformando-os em meros desperdícios físicos dessa ilusão (a aguda sensibilidade de Nathanael West a este problema está, de algum modo, relacionada com o seu estatuto de filho de emigrantes judeus lituanos).

 As figuras, em O Dia dos Gafanhotos, que se encaminham como sonâmbulos para o paraíso hollywoodiano, descobrem que, em vez de viverem o romance de cordel que as obrigaram a sonhar, se tornam em vagos figurantes dum reino de cartão e cola, deambulando entre os papéis que ansiaram representar, esmagando-se histericamente uns contra os outros, sob o desejado sol californiano ou sob os néons que publicitam “sempre” o nome idolatrado dos outros.

 Mas a sociedade americana, segundo Nathanael West, conseguiu mesmo transformar em valor económico o próprio sofrimento, condicionando as suas vítimas a exprimirem-se apenas segundo estereótipos facilmente consumíveis e rentáveis. Em Miss Corações Solitários, a personagem principal, “conselheiro sentimental” de um jornal, recebe todos os dias sinais dessa expressão caricatural do sofrimento, sabendo que o seu discurso, humanista e cristão, é de todo impotente e, por outro lado, desvirtuado pela máquina comercial que serve.
 
 Por isso, para Nathanael West, esta tendência da sociedade americana em transformar em irrealidade a dimensão trágica dos conflitos, é tão estrutural, que ele resolve narra-los sem abandonar um registo constante de sátira.

 De acordo com a ideologia crítica dominante nos anos trinta, Nathaneal West coloca-se, em relação à sociedade americana, num posicionamento “exterior”, prevendo-lhe um desfecho “apocalíptico” (mais uma vez não é aqui estranha a origem religiosa do autor), como se só fosse possível redimir esta sociedade através de um brutal exorcismo.
 
Por fim, quanto a esta edição, lembro as acertadas objecções que lhe levantou Clara Ferreira Alves numa breve nota que publicou no Expresso-revista recentemente. Mas, de qualquer modo, e sem se desculpar o atestado de ignorância ao leitor dado por algumas notas de rodapé, talvez seja útil salientar que a presente edição é resultante, em grande parte, da inexistência de edição universitária no nosso país, “empurrando” a produção teórica e prática da Academia, para se manifestar de forma impressa, a apresentar-se em edições de grande público.

 
 
Publicado no Expresso em 1985.

 
 
Título: Miss Corações Solitários e O Dia dos Gafanhotos
Autor: Nathanael West
Tradução (prefácio e notas): Maria Teresa Alves
Editor: Publicações Dom Quixote
Ano: 1985
366 págs., 5,54 €



 

 

 
 



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