quinta-feira, 12 de julho de 2018

GRACE PALEY

 
 
 

MÚSICA DE CÂMARA

 

Existem escritores que, em vez de pretenderem realizar abrangentes totalidades sobre a condição do homem, ou de se confrontarem com espectaculares tragédias ou imponentes sistemas filosóficos, impõem, pelo contrário, nas suas obras, uma tonalidade de música de câmara, procurando unicamente aflorar aqueles “dramas moleculares” do quotidiano que tanto condicionam a existência.

 
É este o caso de Grace Paley, uma escritora norte-americana que, há cerca de trinta anos, iniciou a sua obra de ficcionista com este Pequenas Contrariedades da Existência que a Relógio d’Água agora traduziu e editou. Originária de uma família judia russa, Grace Paley nasceu, em 1922, em New York, tendo dedicado a maior parte da sua vida a conceber “short-stories” possíveis de terem de facto sucedido entre a vizinhança dos bairros de Bronx ou de Lower East Side onde sempre viveu.

 
Pequenas Contrariedades da Existência é constituída (como a restante obra desta autora) por breves histórias de mulheres, narradas, de forma sistemática, com um humor que, muitas vezes, toca o patético, e onde a desgraça ou a felicidade parecem não ser coisas deste mundo, ou, pelo contrário, tão profundamente mescladas na vida das pessoas, que dá a ideia de que a lágrima e o sorriso aparecem do nada.

 
A melancolia e a ternura com que são descritas rupturas e as paixões, os conflitos de geração, as faltas de dinheiro ou as súbitas prosperidades, transmitem a estas “short-stories” uma envolvente serenidade e revelam que Grace Paley tem uma enorme cumplicidade com as personagens femininas que retrata.

 
Depreende-se de Pequenas Contrariedades da Existência uma vontade simples de “mostrar”, como se fosse impossível descobrir qualquer sentido na existência das pessoas. Nenhuma conclusão é assim retirada destas “short-stories”, deixando-se, por isso, ao leitor a possibilidade de efabular a sua significação.

 
Utilizando a elipse e um estilo simples e directo, num tom vagamente tchekoviano (a que não deve ser estranha a sua origem russa e judia), Grace Paley consegue atingir, em Pequenas Contrariedades da Existência, uma significativa intensidade lírica que é, a maior parte das vezes, um sinal maior das “short-stories” - essa, sem sombra de dúvida, a grande criação narrativa da literatura norte-americana.

 
Lamenta-se, no entanto, que a edição portuguesa revele uma tradução e revisão descuidadas, obscurecendo, não poucas vezes, o sentido destas histórias.

 
 

Publicado na revista Ler em 1987.

 


 

Título: Pequenas Contrariedades da Existência
Autor: Grace Paley
Tradutor: Paula Castro
Editor: Relógio d’Água
Ano: 1987
126 págs., esg.
 

 



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