segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

CHESTER HIMES

 
 
 

HARLEM NEGRO

 
Quando Chester Himes começou a escrever romances policiais, já tinha abandonado os Estados Unidos e iniciado um longo périplo por toda a Europa, que terminou com largas estadias em França e em Espanha, onde velo a morrer. Este exílio, longamente acalentado, foi motivado, tal como sucedeu com Richard Wright e James Baldwin, por incapacidade de suportar o segregacionismo racial americano.

 
No entanto, esta fuga foi também estimulada pela descrença de Chester Himes no respeitante ao meio literário do seu país: ele começara a publicar os seus primeiros romances a partir de 1945, mas as peripécias e dificuldades em os editar e, depois, o seu insucesso, levaram-no a desistir de publicar nos Estados Unidos (mesmo continuando a escrever), por entender que as suas dificuldades em se afirmar no mundo literário americano eram resultantes da incompreensão deste em relação ao problema negro.

 
Foi, portanto, em desespero de causa e por razões de subsistência, que Chester Himes começou a escrever romances policiais (e só quando, em 1956, Marcel Duhamel lhe deu garantias de publicação na, mais tarde prestigiadíssima, colecção se“Sèrie Noire” da Gallimard), tendo iniciado esta nova fase da sua obra com For Love of Imabelle, o romance agora editado com o título Tumulto em Harlem. O romance obteve um sucesso imediato e foi louvado pela crítica (incluindo a norte-americana, uma vez que os romances de Chester Himes, com a auréola de sucesso obtida em França, nunca mais terão dificuldades de edição nos Estados Unidos) pela sua capacidade de inovação do género e pela sua integração da acção em meios sociais que, até aí, nunca tinham sido descritos tão “por dentro”.

 
De facto, as personagens deste primeiro romance (e dos posteriores, já que o autor vai continuar a utilizá-las) são “pobres-diabos”, subsistindo de expedientes, gente que vive em permanente deslize para uma tíbia marginalidade, figuras típicas de Harlem, esse bairro que, mais tarde, tanto sucesso vai ter nos livros e nos filmes do género. E a minúcia da contextualização das personagens é feita com tal preocupação de verosimilhança que qualquer pessoa se poderia deslocar naquele bairro negro, utilizando o romance como carta geográfica... Contudo, a caracterização das personagens e dos ambientes existe só na medida certa das necessidades da acção narrativa e é essa funcionalidade que lhe proporciona um vertiginoso ritmo.

 
Mas também é esta funcionalidade que condiciona Tumulto em Harlem ao estatuto de ser apenas um razoável romance policial: as personagens têm sempre uma linearidade unívoca e inalterável, a caracterização de ambientes é feita por justaposição de elementos de forma quase repetitiva, as situações resumem-se aos diálogos (às vezes, com algum humor) e a um descritivismo mecânico da acção das personagens. Curiosamente, o romance ganha um outro fôlego quando a violência se acentua (a partir do assassinato de Goldy, o irmão da personagem principal), como se a dramaticidade das situações libertasse o escritor dos seus meios restritos de narração.

 
Por isso mesmo, Tumulto em Harlem permite perceber, pelos seus condicionalismos narrativos, porque é que a literatura não-policial deste autor é bem menos interessante, chegando a confinar-se ao meramente documental (é o caso, por exemplo, da sua autobiografia). E porque é que, nos dias de hoje, a obra de Chester Himes tem sofrido uma reavaliação crítica que tem colocado este autor na sua dimensão certa: a de ser só um bom autor de romances policiais.

 

Publicado no Público em 1990.

(Foto do Autor de CORBIS).

 

Título: Tumulto em Harlem
Autor: Chester Himes
Tradução: Mariana Pardal Monteiro
Editora: Edições 70
Ano: 1990
254 págs, esg.

 

 




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