UMA RADIOSA SOMBRA
O que fica de um romance-estandarte de uma geração? Se todos
forem como O Grande Gatsby, fica muito: este romance em particular, e com
ele o seu autor, instaurou um percurso na literatura americana. Alguém duvida
hoje que escritores como Norman Mailer (das primeiras obras), Jack Kerouac ou
Bret Easton Ellis, e só para falar de três escritores tão diversos e
pertencentes a diferentes gerações, não são genuínos herdeiros deste romance?
Mas deixemos a vida de Francis Scott Fitzgerald. Sobre a sua
luminosa tragédia, tem o leitor muita informação no prefácio que José Rodrigues
Miguéis escreveu, no princípio dos anos sessenta, para esta sua tradução que a
Ed. Presença vem reeditando.
Falemos antes de Gatsby. A sua ambição fá-lo acreditar no
“sonho americano” e, ao mesmo tempo, dá-lhe plena consciência de que nada de
essencial passa por aí. E fica-lhe a nostalgia do tempo das convicções sem
sombra. É essa nostalgia que ele procura ensopar em álcool, esfumar em festas.
É essa nostalgia que o não deixa crescer, que o obriga a acreditar na paixão
como derradeiro caminho que confirme as suas convicções. Mas Daisy, a amada que
tudo legitima, é a própria encarnação da impossibilidade do “sonho americano”.
E a ordem social destroça Gatsby como qualquer outro que chegue, trazendo, como
único capital, os valores que a própria sociedade propagandeia. Sobre a
esfacelada máscara do optimismo aparece o rosto do pessimismo inconsolável.
O Grande Gatsby tem uma estrutura límpida, com a concisão das
tragédias clássicas. Foi publicado tinha F. Scott Fitzgerald vinte e nove anos.
E ainda hoje assombra pela capacidade do autor em transformar a “matéria
vivida” numa história que nada tem de autobiográfica. Daí a comoção que ainda
provoca, semelhante à que se tem perante coisas irremediáveis e que nem sequer deviam ter sucedido.
Publicado no Público em
1997.
Título: O Grande
Gatsby
Autor: F. Scott
Fitzgerald
Tradução (e prefácio): José
Rodrigues Miguéis
Editor: Editorial
Presença
202 págs., 10,35 €
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