quinta-feira, 24 de setembro de 2015

THOMAS MANN 2


 
 
 
 
O HÚMUS DO MAL
 
Desde a publicação de Os Buddenbrook, no início do século, que Thomas Mann foi encarado como um dos mais genuínos representantes do “génio” literário alemão. Contudo, este escritor teve sempre uma relação tempestuosa com o seu país, principalmente com os aspectos mais salientes da sua evolução cultural e política: lembremo-nos das críticas à política da República de Weimar e ao expressionismo em Considerações de um Apolítico, ou mais tarde, sob o nazismo, a atitude acusatória que Thomas Mann, a partir do exílio, vai assumir perante aquele aberrante regime.
 
Doutor Fausto (1947) é considerado um dos mais importantes romances da primeira metade deste século, no quadro das literaturas da Europa Central, e pode ser entendido como uma tentativa ficcionista de compreender a evolução cultural, a partir dos finais do séc. XIX, de uma “certa” Alemanha que permitiu a ascensão ao poder de Adolfo Hitler.
 
Através da biografia de um músico dodecafónico imaginário, Adrian Levekühn, feita por um amigo deste, Thomas Mann vai retomar o velho mito do séc. XVI (e que já tinha sido glorificado por Goethe, o intelectual alemão que ele mais admirava) do Dr. Fausto. Mas aquela personagem, que tem, contudo, uma consistência psicológica bem caracterizada, personaliza a Alemanha com o seu entrechocar de contradicções, e o pacto diabólico, que efectua, simboliza o logro em que a nação alemã caiu ao fascinar-se pelo canto de sereia da barbárie nazi.
 
É, portanto, sobre a decadência colectiva que este romance se debruça ao analisar a ascensão das tendências irracionalistas e vitalistas da cultura alemã (o seu conservadorismo anti-humanista, o primado do estético sobre o ético, a sujeição do Espírito ao sensorial e às pulsões de dominação e submissão, o pendor para o sofrimento e para o isolamento, etc.) e que, nalguns aspectos, o próprio Thomas Mann tinha perfilhado anteriormente.
 
É por causa desta dimensão de confronto doutrinário consigo mesmo que Thomas Mann fala do Doutor Fausto como de uma “autobiografia radical”. Mas, numa perspectiva actual, o que mais se realça neste romance é o seu carácter de acto de conhecimento e de saber (note-se que semelhante atitude perante o romance, comum a Broch e a Musil, ao tentar fundir ficção e ensaio, pretende ser uma ultrapassagem das limitações estéticas a que, segundo estes autores, o género chegou no final do século), e, por outro lado, reflectir o empenho de Thomas Mann em elaborar urna retórica (é esta, segundo ele, a tarefa fundamental da burguesia) que condicione e dê sentido cultural aos impulsos e às energias vitais.
 
Publicado na revista Ler em 1996.
 
 
Título: Doutor Fausto
Autor: Thomas Mann
Tradutor: Herbert Caro
Revisor: José Jacinto da Silva Pereira
Editor: Publicações Dom Quixote
Ano: 1996
696 págs., € 25,00
 




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