segunda-feira, 25 de junho de 2018

PETER TAYLOR

 
 
 
 

O RINGUE FAMILIAR
  
Certo dia, um director editorial, vivendo em Manhattan, recebe dois telefonemas das irmãs, informando-o de que o seu octogenário pai, em Memphis, anunciou a sua intenção de se casar de novo. Estes telefonemas, exigindo que ele tomasse posição sobre o assunto, vão impeli-lo a fazer um balanço sobre a forma como decorreram as suas relações familiares, em particular como lhe perturbaram a vida, mesmo quando, mais tarde, se convenceu que se tinha, na prática, libertado delas.
 
É este o ponto de partida (e de chegada) de Convocação Para Memphis, o segundo romance de Peter Taylor, um escritor sulista que adquiriu, nas três últimas décadas, algum prestígio nos Estados Unidos, em especial no domínio das “short-stories”.
 
Com um esquema narrativo já clássico — todo o romance se desenrola em redor de um acontecimento perturbante que provoca no narrador a necessidade de reformular posições e comportamentos —, Peter Taylor vai efectuar uma pormenorizada reflexão sobre a instituição familiar, numa linha de preocupações que tem pontuado alguns dos actuais ficcionistas norte-americanos (e cujo exemplo mais interessante continua a ser, na nossa opinião, o de John Irving).
 
Assim, Convocação Para Memphis alonga-se numa fatigante análise caracterial dos membros da família do narrador, centrando-se particularmente no comportamento do pai, cujas opções vão condicionar em definitivo a existência dos restantes elementos familiares. Uma falência fraudulenta e a rotura com um amigo levam o pai a deslocar a sua família, nos anos quarenta, de Nashville para Memphis, e esta transferência para um novo ambiente sociocultural vai provocar não só a desagregação psicológica da mãe, mas uma série de consequências nefastas para os filhos: a impossibilidade de casamento para as duas filhas, o envio, como voluntário, de um dos rapazes para a guerra, onde vem a morrer, e a fuga do outro para Nova lorque.
 
Mas, o que está aqui em causa, é se o arbítrio do pai, resultante da autoridade que lhe é conferida em termos sociais, e agindo sem ter em consideração as apetências específicas de cada membro da família, é apenas um sinal de um brutal egoísmo ou a natural manifestação da tensão conflituosa sobre a qual a família se institui. Se assim for, é aceitável que os filhos, quando recebem, por sua vez, em consequência da idade avançada dos pais, a autoridade familiar, tenham legitimidade para colocar na primeira linha os seus próprios interesses, condicionando e “punindo” a velhice paterna: no caso presente em Convocação para Memphis, levando os filhos a despistar um eventual casamento na velhice do pai, que lhes poderia cercear a integral herança do património paterno.
 
A perspectiva de Peter Taylor, neste seu romance, sobre a instituição familiar é de a encarar, por conseguinte, não tanto como lugar privilegiado da gestão dos afectos, mas como o espaço privado de um irremediável “ajuste de contas” geracional e de uma permanente antropofagia.
 
Contudo, tudo isto já foi, e com outros meios, exaustivamente exposto pela psicanálise. Uma grande imprecisão na estrutura romanesca, uma monotonia estilística acentuada e uma reflexão repetitiva e “enrolada” não contribuem, decerto, para que um posicionamento conceptual já conhecido tenha uma outra Iuminosidade.
 
A ambição, às vezes, é nefasta: o material-base, que Peter Taylor utilizou, bastava, rigorosa e unicamente, para uma curta novela interessante; ao tentar dar-lhe um tratamento extenso, o autor transformou Convocação Para Memphis num evitável romance falhado.
 
 
Publicado no Expresso em 1988.
 
 
Título: Convocação Para Memphis
Autor: Peter Taylor
Tradutor: Daniel Gonçalves
Editor: Difel
Ano: 1988
195 págs., esg.
 
 


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