SEM LUGAR
Há
um campo na produção editorial contemporânea cuja pretensão é satisfazer as
necessidades romanescas de um público internacional, diversificado, que crê ter
algum critério literário e, por outro lado, uma opinião fundamentada e crítica
sobre a actual dinâmica civilizacional. Não se identifique, no entanto, os
objectivos e os meios desta literatura cosmopolita com a produção de best-sellers, visto que naquela não se
busca satisfazer as apetências mais imediatistas do público leitor, mas sim, em
redor de questões cadentes da cultura contemporânea, construir ficções,
utilizando técnicas e formas “convencionais” de criação literária, de modo a
serem facilmente reconhecidas e aceites.
Um
autor característico deste tipo de literatura é Paul Theroux. Este prolífero
autor norte-americano, vivendo hoje em Inglaterra, tem calcorreado os lugares
mais díspares deste mundo, conhecendo assim ao vivo os cenários onde tem situado
a acção das dezenas de romances e colectâneas de novelas que, de qualidade
muito irregular, mas algumas vezes interessante, tem vindo a produzir.
Além
disso, o carácter “visual” e a linearidade das suas narrativas têm estimulado a
sua transposição para a linguagem cinematográfica e televisiva. Foi o
que aconteceu com o seu romance A Costa do Mosquito, agora editado em
Portugal, que Peter Weir utilizou para a realização de um filme que ainda há
bem pouco tempo passou nas nossas salas de cinema.
Este
romance narra a viagem e a estadia numa região muito primitiva e selvagem
das Honduras de um ”rural” inventor americano que, descontente com o percurso
civilizacional do seu país, resolve abandoná-lo e procurar, com a sua família,
instituir os prolegómenos de uma nova civilização, sem os excessos tecnológicos
e materialistas daquela donde veio.
No
entanto, a ambição demiúrgica de Allie Fox, personagem principal de A
Costa do Mosquito, em construir uma nova ordem, onde a Natureza seja
domada à sua simples vontade, leva-o a um permanente confronto com a selva e
com os outros, provocando o abandono ou a sistemática rebeldia de quem o
rodeia.
Convencido
que a actual civilização se encaminhou de forma irremediável para um final
apocalíptico, Allie Fox recusa-se a qualquer contacto com o mundo exterior à selva
e encara o seu retorno ao mais extremo primitivismo como a única salvação possível
para si e para a sua família. Esta obsessão redentora vai, a pouco e pouco,
transformando esta família num bando de espantalhos famélicos e doentes (note-se
que toda a trama romanesca de A Costa do Mosquito é narrada pelo
filho mais velho), dependente por completo dos
elementos e da visão unívoca que a dirige e a condiciona.
A própria
situação insustentável daquela família leva a um previsível final a fábula de A
Costa do Mosquito: será a própria Natureza que, numa tremenda concentração
de ódio, irá literalmente devorar
Allie Fox, libertando a restante família e permitindo o seu regresso a uma “civilização”
que, mesmo nefasta e destrutiva, se revela mais reconfortante do que qualquer
utópica alternativa.
A existência
de um fio condutor evidente em excesso e, por outro lado, a frágil densidade e
consistência das personagens transformam A Costa do Mosquito num romance monotonamente
inacabável que nem a inegável capacidade estilística de Paul Theroux em “visualizar”
cenários consegue salvar. Mais uma vez se demonstra que não chega uma brilhante
ideia para fazer um bom romance…
Publicado no Expresso em 1988.
(Foto do Autor de Steve McCurry).
Título: A Costa do Mosquito
Autor: Paul Theroux
Tradução: Manuel Cordeiro
Editor: Ed. Presença
Ano: 1988
350 págs., esg.
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