quarta-feira, 25 de novembro de 2015

PAUL THEROUX


 
 
 

SEM LUGAR

 

Há um campo na produção editorial contemporânea cuja pretensão é satisfazer as necessidades romanescas de um público internacional, diversificado, que crê ter algum critério literário e, por outro lado, uma opinião fundamentada e crítica sobre a actual dinâmica civilizacional. Não se identifique, no entanto, os objectivos e os meios desta literatura cosmopolita com a produção de best-sellers, visto que naquela não se busca satisfazer as apetências mais imediatistas do público leitor, mas sim, em redor de questões cadentes da cultura contemporânea, construir ficções, utilizando técnicas e formas “convencionais” de criação literária, de modo a serem facilmente reconhecidas e aceites.

 
Um autor característico deste tipo de literatura é Paul Theroux. Este prolífero autor norte-americano, vivendo hoje em Inglaterra, tem calcorreado os lugares mais díspares deste mundo, conhecendo assim ao vivo os cenários onde tem situado a acção das dezenas de romances e colectâneas de novelas que, de qualidade muito irregular, mas algumas vezes interessante, tem vindo a produzir.

 
Além disso, o carácter “visual” e a linearidade das suas narrativas têm estimulado a sua transposição para a linguagem cinematográfica e televisiva. Foi o que aconteceu com o seu romance A Costa do Mosquito, agora editado em Portugal, que Peter Weir utilizou para a realização de um filme que ainda há bem pouco tempo passou nas nossas salas de cinema.

 
Este romance narra a viagem e a estadia numa região muito primitiva e selvagem das Honduras de um ”rural” inventor americano que, descontente com o percurso civilizacional do seu país, resolve abandoná-lo e procurar, com a sua família, instituir os prolegómenos de uma nova civilização, sem os excessos tecnológicos e materialistas daquela donde veio.

 
No entanto, a ambição demiúrgica de Allie Fox, personagem principal de A Costa do Mosquito, em construir uma nova ordem, onde a Natureza seja domada à sua simples vontade, leva-o a um permanente confronto com a selva e com os outros, provocando o abandono ou a sistemática rebeldia de quem o rodeia.

 
Convencido que a actual civilização se encaminhou de forma irremediável para um final apocalíptico, Allie Fox recusa-se a qualquer contacto com o mundo exterior à selva e encara o seu retorno ao mais extremo primitivismo como a única salvação possível para si e para a sua família. Esta obsessão redentora vai, a pouco e pouco, transformando esta família num bando de espantalhos famélicos e doentes (note-se que toda a trama romanesca de A Costa do Mosquito é narrada pelo filho mais velho), dependente por completo dos elementos e da visão unívoca que a dirige e a condiciona.

 
A própria situação insustentável daquela família leva a um previsível final a fábula de A Costa do Mosquito: será a própria Natureza que, numa tremenda concentração de ódio, irá literalmente devorar Allie Fox, libertando a restante família e permitindo o seu regresso a uma “civilização” que, mesmo nefasta e destrutiva, se revela mais reconfortante do que qualquer utópica alternativa.

 
A existência de um fio condutor evidente em excesso e, por outro lado, a frágil densidade e consistência das personagens transformam A Costa do Mosquito num romance monotonamente inacabável que nem a inegável capacidade estilística de Paul Theroux em “visualizar” cenários consegue salvar. Mais uma vez se demonstra que não chega uma brilhante ideia para fazer um bom romance…

 
Publicado no Expresso em 1988.
 
(Foto do Autor de Steve McCurry).

 

 
Título: A Costa do Mosquito
Autor: Paul Theroux
Tradução: Manuel Cordeiro
Editor: Ed. Presença
Ano: 1988
350 págs., esg.
 
 



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