sexta-feira, 2 de outubro de 2015

HEINRICH BÖLL

 
 
 
 
 
 

APRENDER A SOBREVIVER SOB O REGIME NAZI
 
 Com a morte de Heinrich Böll, em 1985, desapareceu, provavelmente, um certo tipo de intelectual. De facto, Böll tornou-se conhecido, durante estes últimos trinta anos, por tentar que a acção política fosse conduzida de acordo com rigorosos princípios éticos, acusando, perante a opinião pública, todo o tipo de abusos e prepotências, e tornando-se, por isso, uma espécie de consciência incómoda da Alemanha. Lembremo-nos das suas denúncias à perseguição dos elementos de extrema-esquerda feita pela administração do seu país, a sua participação no processo de Ulrike Meinhoff, a polémica com o império jornalístico Springer, o protesto pela instalação dos Pershing 2 na Alemanha, etc.
 
Mas esta intervenção polémica na sociedade alemã teve, no entanto, o inconveniente de obliterar - mesmo continuando a considerá-lo como um dos mais importantes escritores alemães do pós-guerra - a sua importante produção de ficcionista.
 
A publicação de O Que Vai Ser Do Rapaz? vem de novo revelar, mesmo num texto de circunstância, o subtil brilhantismo estilístico de uma escrita que, parecendo deliberadamente desarrumada e caótica, sabe utilizar essas aparentes insuficiências para realçar a diversidade do real.
 
O Que Vai Ser Do Rapaz? é um texto autobiográfico, em que o autor pretende narrar os seus últimos anos de liceu, entre 1933 e 1937, quando Adolfo Hitler ascendia ao poder e parecia que o nazismo iria ocupá-lo para sempre.
 
O texto está organizado numa dupla e paralela narrativa: por um lado, descrevendo a reacção de Böll às matérias escolares, aos professores e aos colegas; por outro, os percursos para a escola, as “gazetas”, as fugas para os subúrbios de Colonia, onde, com uma bicicleta e alguns livros, procurava obter alguma serenidade que a presença terrificante das Juventudes Hitlerianas na cidade não lhe permitia ter.
 
É esta segunda faceta da sua vida de adolescente que Heinrich Böll considera ter respondido à inquietação familiar expressa pelo título da obra. Porque, como ele próprio refere, a sua aprendizagem escolar foi principalmente uma preparação para a morte, visto que, subjacente aos valores da cultura que lhe era transmitida, estava (pelo menos) uma resignação ao terror nazi e a assumpção da necessidade de espírito de sacrifício para a guerra que se encarava como inevitável. Por isso, era na escola da rua que efectivamente Böll aprendia não só a sobreviver à depressão económica e ao nazismo, mas também a perceber que, mesmo nessa realidade adversa, pode coexistir a alegria, o prazer da descoberta e atingir a irresponsabilidade necessária para se esquivar ao sofrimento.
 
Daí que a narrativa “fuja” de um modo constante para um quotidiano, onde as dificuldades económicas, as cumplicidades com o mercado negro, as discussões familiares, as cedências para sobreviver ao nazismo, não conseguem esconder a intensa nostalgia de breves momentos em que a vida ganha sentido. E é essa nostalgia que “tinge” as mais belas páginas desta narrativa e onde se revela as melhores qualidades de Böll como escritor.
 
Saliente-se, por fim, que a fixação deste texto em português nos parece irregular, com uma pontuação algumas vezes absurda. Além disso, faltam nesta edição algumas notas que colaborem para uma maior explicitação de uma obra que, referindo-se a hábitos peculiares e a situações históricas muito pontuais, não é, por isso, acessível ao leitor médio.
 
Publicado no Expresso em 1987.
 
 
Título: O Que Vai Ser Do Rapaz?
Autor: Heinrich Böll
Tradutor: Maria Adélia de Silva Mello
Editor: Difel
Ano: 1987
págs. 91, esg
 
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